DISCURSO DO REITOR CLAUDIO GROSSMAN,

PRESIDENTE DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, NO MARCO DO DIÁLOGO SOBRE O APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS COMISSÃO DE ASSUNTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS

DO CONSELHO PERMANENTE DA OEA

 

Washington, D.C., 3 de maio de 2001

 

          Senhora Presidenta da Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos do Conselho Permanente, distinguidas e distinguidos Representantes dos Estados membros da Organização e Observadores, Secretário Executivo da CIDH, senhoras e senhores:

 

          Senhora Presidenta:

 

Quero agradecer a oportunidade de voltar a estar presente nesta Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos, nesta ocasião para dialogar com os senhores e senhoras representantes dos governos democraticamente eleitos do Hemisfério, sobre o aperfeiçoamento do sistema interamericano de direitos humanos. Não é minha intenção reiterar no dia de hoje o que mencionei na minha apresentação perante esta mesma Comissão na semana passada, mas aprofundar alguns pontos de particular importância no estado atual do diálogo sobre o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e as direções que o sistema deveria e está tomando. Estas reflexões são o produto da larga experiência da CIDH sobre as necessidades de direitos humanos que existem em nossa região e o tipo de sistema que devemos modelar para estar em condições de responder estas demandas[1].

 

          1.          A LEGITIMIDADE DO SISTEMA E A PRUDÊNCIA NECESSÁRIA

 

Senhoras e senhores representantes: Estamos vivendo tempos de grande promessa em um hemisfério em que nunca como agora tantos homens e mulheres haviam visto a possibilidade essencial de desenvolverem-se como seres livres. Neste marco, o sistema interamericano goza de uma enorme legitimidade, que transcende seus órgãos já que irradia esta legitimidade a toda à organização regional.

 

Esta realidade provoca que cada vez mais homens e mulheres de nosso Hemisfério dirijam-se à Comissão Interamericana em busca de respostas a suas demandas para a proteção de seus direitos humanos, levando à Comissão a aumentar seu trabalho de casos individuais.

 

Por exemplo, quando fui Presidente da CIDH pela primeira vez, em 1996, publicamos 31 decisões em casos individuais, incluindo 16 sobre o fundo, 1 solução amistosa e 14 decisões de admissibilidade/inadmissibilidade. No relatório que apresentei na semana passada, como já mencionei, publicamos 153 decisões. Isto é, 5 vezes mais decisões, incluindo 35 de admissibilidade, 23 sobre o fundo e 13 relatórios de solução amistosa, ademais de 21 decisões de inadmissibilidade e 61 de arquivamento.  Estes números demonstram a legitimidade do sistema através do aumento da utilização do mesmo, mas também porque os Estados acompanham e são em parte artífices desta legitimidade. No relatório de 1996, em cinco dos trinta e um casos o Governo respectivo não respondeu ao pedido de informação nem participou do procedimento perante a Comissão.[2] No relatório do ano 2000, os Governos participaram em todas e cada uma das instâncias dos 153 relatórios que publicamos. Mas a legitimidade do sistema está demonstrada principalmente no contraste entre a solitária solução amistosa publicada em 1996[3] e as 13 destas que foram concluídas durante o último ano.

 

Não desejo ser enfadonho com outros dados, Senhora Presidenta, para apoiar minha tese de que o sistema goza de uma enorme legitimidade que deve ser protegida zelosamente. Por esta razão, é imprescindível dialogar sobre o sistema partindo dessa premissa básica. É preciso atuar com prudência para preservar uma das principais fontes de legitimidade da OEA.

 

          2. A NECESSIDADE DE CRIAR CONSELHOS ENTRE TODOS OS ATORES DO SISTEMA

 

Senhoras e senhores representantes, para a CIDH é da maior importância à manutenção de um diálogo aberto e público sobre o aperfeiçoamento do sistema interamericano. A legitimidade do sistema e sua preservação exigem que qualquer discussão, debate e diálogo que pretenda formar um consenso para fortalecer o sistema interamericano deve envolver a todos e cada um dos atores relacionados com o sistema.

 

 Em especial pensamos nos Estados, os órgãos do sistema e as organizações da sociedade civil. Cada um destes atores tem suas próprias visões que provém de seus diferentes papéis, responsabilidades e experiências que contribuem para uma visão integral do sistema. Pelo uso do sistema e sua legitimidade e a condição democrática dos Estados membros não é possível uma reforma utilizando uma modalidade diferente.

 

A formação de consensos requer tempo e diálogo. Por isso, não há que adotar medidas precipitadas que ponham em risco o sucesso alcançado até este momento. Contudo, há dois pontos centrais, em que coincidem todos os atores do sistema que podem e devem ser considerados na próxima Assembléia Geral da OEA a se realizar em San José da Costa Rica no próximo mês de junho. Nos referimos ao aumento substancial dos recursos financeiros para a Comissão e a Corte, o estabelecimento de um mecanismo que permita aos órgãos políticos da OEA exercer adequadamente seu papel na supervisão do cumprimento das decisões da Comissão e a Corte. Nesse sentido, e tal como o expressarei mais adiante, existem propostas construtivas e oportunas de parte de alguns Estados membros que cobrem aspectos bastante específicos das reformas requeridas que esperamos recebam o apoio necessário em San José. Existe um terceiro ponto central para o fortalecimento do sistema interamericano e trata-se da incorporação das obrigações sobre direitos humanos no âmbito interno.

 

          3.          AS REFORMAS REGULAMENTARES E OS DESAFIOS PENDENTES

 

Como contribuição ao fortalecimento do sistema, a Comissão[4] e a Corte[5] nos últimos meses aprovaram as reformas de seus regulamentos dentro do marco de suas respectivas autonomias, que entendemos refletem as sugestões contidas na resolução 1701 aprovada em Windsor. O Regulamento da CIDH entrou em vigência este 1º de maio e o da Corte entrará em vigor em 1º de junho. Estas reformas regulamentares foram um dos desenvolvimentos mais importantes do sistema interamericano desde a entrada em vigência da Convenção Americana há mais de trinta anos. As reformas não podem passar despercebidas e devem ser consideradas seriamente no marco do diálogo.

 

A Comissão e a Corte agilizaram e ordenaram seus procedimentos, ampliaram a participação da vítima, e adotaram as disposições necessárias para evitar a duplicação de procedimentos perante a Corte. Os órgãos do sistema tomaram seriamente o desafio do aperfeiçoamento e o fizeram. Os novos procedimentos serão mais claros, mais ordenados, evitarão repetições desnecessárias e serão mais abertos à participação dos indivíduos.

 

Pela importância e transcendência destas reformas, é preciso dar o apoio e tempo necessário para seu funcionamento e avaliação. A adoção de um Protocolo adicional para dar acesso direto às vítimas ao Tribunal interamericano deve ser estudado somente depois de avaliada essas reformas regulamentares.  Esta posição não implica que estejamos contra esta proposta, algo que venho defendendo pessoalmente, desde que participei dos primeiros casos perante a Corte há mais de quinze anos.[6] Pelo contrário, implica reconhecer que as novas disposições regulamentares contribuem para facilitar o acesso dos peticionários à Corte. As modificações jurídicas contam com maiores possibilidades de êxito quando são declarativas, ou seja, quando refletem uma transformação que teve lugar em grande parte na prática.  Por isso, corresponde hoje dar tempo a que as novas disposições regulamentares se desenvolvam na prática. Nesse sentido, o novo Regulamento da Comissão prevê as seguintes medidas para ampliar a participação da vítima nos processos perante a Corte: consulta ao peticionário e à vítima de sua posição sobre o encaminhamento do caso a Corte (artigo 43.(3)), tomar em conta a opinião do peticionário para decidir se remete o caso a Corte e estabelecimento da presunção de que todos os casos serão remetidos ao tribunal (artigo 44 incisos 1 e 2), participação do indivíduo na preparação da demanda perante a Corte (artigo 71) e a possibilidade de que este seja incluído como um dos delegados da Comissão perante a Corte (artigo 69.(1)).

 

Senhora Presidenta, as mudanças transcendentais nos regulamentos da Comissão e a Corte exigem neste momento o pleno apoio político por parte dos Estados membros aos órgãos do sistema. Entendemos que as três medidas fundamentais que devem ser adotadas na próxima Assembléia Geral são a dotação dos recursos financeiros necessários para os órgãos, o estabelecimento de um mecanismo específico que permita aos órgãos políticos impulsionar o cumprimento efetivo das decisões da Comissão e da Corte e a obrigação dos Estados de incorporar no âmbito interno as normas internacionais de direitos humanos.

 

Paralelamente se deve permitir que os regulamentos da Comissão e da Corte funcionem por um prazo razoável, e evitar entrar numa perigosa espiral reformista. Este tempo permitiria avaliar os resultados, apreciar os benefícios, e identificar os problemas que não foram resolvidos ou antecipados.

 

          4.          A RATIFICAÇÃO UNIVERSAL

 

Senhoras e senhores Representantes: Não é novidade para ninguém nesta sala que em nossa região existe um sistema interamericano com três graus de adesão: uma adesão universal e mínima para todos os Estados membros em que os habitantes gozam da proteção dos direitos reconhecidos na Declaração Americana por parte da Comissão Interamericana.[7] Um segundo sistema para os Estados membros que ratificaram a Convenção Americana, mas que não aceitaram a competência da Corte[8] e um terceiro para aqueles que ratificaram a Convenção e aceitaram a jurisdição da Corte.[9]

 

Este sistema indubitavelmente não é o ideal.[10] Do ponto de vista dos direitos humanos coloca os habitantes de importantes países da região em uma situação de desvantagem quanto ao grau de proteção internacional de seus direitos. Por isso, a Comissão apóia a proposta formulada pelo Governo do Brasil no sentido de que os Estados membros deveriam enviar relatórios periodicamente sobre as medidas adotadas para ratificar a Convenção e os demais instrumentos bem como os obstáculos para conseguir tal objetivo. Esta proposta, modelada em parte no sistema utilizado pela Organização Internacional do Trabalho,[11] permitirá seguramente levar a uma nova etapa a discussão sobre a ratificação universal.

 

          A CIDH está convencida que a publicidade e a transparência são elementos indispensáveis em uma estrutura democrática. Por esta razão, e como complemento da proposta brasileira, nos permitimos sugerir que na resolução respectiva a ser adotada na próxima Assembléia Geral inclua-se um anexo explicando aos Estados que não ratificaram os respectivos instrumentos e os Estados que não aceitaram a jurisdição da Corte. Com isso, o chamado da Assembléia Geral à ratificação universal não seria simplesmente genérico, mas seria destinado claramente àqueles países que figuram no anexo que propomos.

         

          A CIDH não ignora que a aplicação da Declaração Americana provê ao sistema um sentido universal. Tampouco desconhece que em alguns dos países que não ratificaram a Convenção se oferece um nível de proteção aos direitos humanos comparável ao ideal na região. Entretanto, a não ratificação da Convenção e aceitação da jurisdição da Corte tem um claro sentido negativo. Existe o risco de limitar o valor universal do mecanismo de proteção. Em um hemisfério que avança em sua integração, os direitos humanos não podem ficar para trás.

 

          5. CUMPRIMENTO DAS DECISÕES DOS ÓRGÃOS DE DIREITOS HUMANOS E SUA SUPERVISÃO COLETIVA PELOS ÓRGÃOS POLÍTICOS DA ORGANIZAÇÃO

 

Senhora Presidenta, embora o cumprimento das resoluções emanadas da Comissão e da Corte aumentaram em comparação à época em que imperavam numerosas ditaduras no hemisfério, a situação está longe de ser satisfatória. Em contraste com a situação atual, durante as ditaduras existia uma maior iniciativa de parte dos órgãos políticos da OEA em respaldar as decisões da Comissão (a Corte recentemente proferiu suas primeiras sentenças nos casos contenciosos de 1987).[12]  Todos conhecem os sérios esforços dos países democráticos naqueles anos, entre os quais se destacam o México, a Venezuela e os Estados Unidos, por respaldar a atuação efetiva da Comissão e promover debates no âmbito do Conselho Permanente e da Assembléia Geral sobre o cumprimento das recomendações que a Comissão formulara com relação a países onde se cometiam massivas violações de direitos humanos. Hoje em dia, porém, e apesar dos ventos democráticos que sopram no hemisfério, os órgãos políticos da OEA não operam suficientemente como guardiões coletivos do sistema.

 

Há mais de 140 anos Juan Bautista Alberdi, o ideólogo da Constituição Argentina substancialmente ainda vigente hoje em dia,[13] nos explicava a importância da garantia coletiva na vigência dos direitos humanos. Alberdi sustentava que: “Cada tratado será uma âncora de liberdade posta na Constituição. Se esta for violada por uma autoridade nacional, não será a parte contida nos tratados, que serão respeitados pelas nações signatárias; e bastará que algumas garantias estejam vigentes para que o país conserve inviolável uma parte de sua Constituição, que logo restabelecerá a outra”.

 

É essencial que sejam adotadas na próxima Assembléia Geral em San José as medidas necessárias para permitir que os Estados atuem como garantidores coletivos do sistema. Neste sentido, a CIDH está convencida que as propostas apresentadas por diversos Estados, no sentido de estabelecer um procedimento de revisão anual do cumprimento das decisões da Comissão e da Corte, por parte do Conselho Permanente e a Assembléia Geral, pode representar um avanço significativo nesta direção e conta com nosso firme apoio.

 

A CIDH acompanha com interesse os debates e decisões adotadas em Quebec referentes à inclusão de uma cláusula democrática vinculada ao acordo de livre comércio regional. Nos parece que este valioso passo deve expressamente incluir o cumprimento das decisões dos órgãos de direitos humanos, como um elemento válido para avaliar se um governo é democrático. Afinal, as normas de direitos humanos contribuem para definir o que é uma democracia, inter alia, a separação de poderes, independência judicial, devido processo legal, igualdade perante a lei, liberdades políticas, liberdade de expressão, associação, religião. É importante destacar que no caso do Conselho da Europa o descumprimento das decisões dos órgãos de direitos humanos acarreta sanções que incluem a exclusão do sistema regional.[14]

 

          6. A INCORPORAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS NO ÂMBITO INTERNO

 

A Convenção estabelece que os Estados partes não somente se comprometem a garantir a todas as pessoas sujeitas a sua jurisdição os direitos e liberdades nela reconhecidos, mas também dar efeito jurídico a esses direitos e liberdades no âmbito interno, e harmoniza a interpretação da legislação vigente (artigo 2). Como corolário, os Estados podem encontrar-se na circunstância de ter que modificar, ou inclusive derrogar, normas internas que resultam incompatíveis com as obrigações assumidas no marco da Convenção. Os Estados partes também estão obrigados a oferecer recursos judiciais a quem considerem que seus direitos e liberdades tenham sido violados (artigo 25). A regra do prévio esgotamento dos recursos internos prevista na Convenção (artigo 46) está baseada na idéia de que o Estado deve contar com a possibilidade de reparar a situação infligida dentro do marco de sua própria jurisdição.

 

É, portanto, preocupante o fato de que a Comissão deva tratar numerosos casos nos quais os Estados membros se abstenham de acolher de maneira operativa em sua legislação interna os direitos consagrados na Convenção, ou quando os juízes aplicam normas de direito interno de forma claramente incompatível com as obrigações adquiridas mediante a Convenção. Evidentemente, na medida em que estes direitos não se encontram reconhecidos na legislação doméstica não existirão recursos internos efetivos que permitam reparar as consequências de sua violação. Dado que os Estados partes são responsáveis primários da salvaguarda dos direitos humanos consagrados na Convenção Americana, o modo no qual estão cumprindo com esta responsabilidade formalmente adquirida requer certo grau de reflexão.

 

O aperfeiçoamento do sistema requer que os Estados membros adotem as medidas legislativas necessárias para que as decisões tomadas pela Comissão e a Corte contem com um mecanismo jurídico que permita sua execução no âmbito interno.[15] Nos últimos anos, vários países adotaram tais medidas, mas é preciso continuar avançando-se nesta direção.[16]

 

Senhora Presidenta, o advento de governos eleitos democraticamente em todos os países da região salvo Cuba, permitiu que numerosas constituições políticas dos Estados da OEA tivessem acolhido normas contidas em tratados internacionais.  Algumas delas o fizeram mediante uma referência de caráter geral a estes instrumentos, enquanto que outras criaram disposições específicas.[17] Este é um passo essencial na direção correta que deve ir acompanhado de disposições legislativas específicas para fazer efetivos os direitos garantidos, bem como uma ativa participação dos juízes para utilizar as normas internacionais de direitos humanos.[18] Uma importante contribuição ao aperfeiçoamento do sistema interamericano seria que os poderes legislativos de nossos países adotassem todas as disposições que sejam necessárias para garantir os direitos reconhecidos na normativa internacional e que modificassem ou derrogassem todas aquelas disposições que se encontram em contravenção aos tratados internacionais de direitos humanos. Os poderes judiciais, por sua parte, deveriam aplicar plenamente tanto as disposições contidas nos tratados como a jurisprudência da Comissão e da Corte[19]. Uma das vantagens do sistema europeu é que os poderes legislativos permanentemente revisam suas leis internas para fazê-las compatíveis com as decisões da Corte Européia de Direitos Humanos e os juízes europeus, incluindo aqueles dos mais altos tribunais, e de maneira constante utilizam e invocam as decisões dos órgãos de Estrasburgo.[20]

 

          7.          A NECESSIDADE DE MAIORES RECURSOS FINANCEIROS

 

          Senhoras e senhores Representantes, devo assinalar que a Comissão tramita mais de 900 casos individuais; nos últimos quatro anos a Comissão efetuou entre duas e três visitas in loco por ano aos Estados membros, as quais têm um custo entre US$ 30.000 e US$ 100.000 cada uma dependendo de sua duração, número de Membros da Comissão que participam, lugares que se visitam. Ademais, 23 casos contenciosos e 30 medidas provisórias encontram-se atualmente pendentes perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os custos que gera esta atividade de proteção aos direitos humanos, se incrementarão com os novos regulamentos da Comissão e da Corte que implicarão num aumento do número de casos perante a Corte.

 

A triste realidade, porém, indica que o montante total do orçamento da Comissão para o presente exercício, representa menos de 3,4% do orçamento global da Organização. Aproximadamente dos terços deste total estão destinados aos salários e benefícios do pessoal da Comissão. O soma restante apenas cobre os custos derivados dos preparativos e a celebração dos períodos ordinários e um período extraordinário de sessões, a publicação de nosso Relatório Anual, contratos por resultado, fornecimentos e valores similares. Isto significa que o orçamento não prevê fundos suficientes para a condução de nenhuma visita in loco a um Estado membro ou o litígio de casos perante a Corte. Isto leva à Comissão a depender das generosas contribuições voluntárias de certos Estados membros e o espírito filantrópico de vários países da Europa, para financiar o cumprimento com esta parte essencial de seu mandato, o qual deveria ser motivo de preocupação para os Estados membros da Organização.

 

          Nossos Chefes de Estado encontram-se plenamente conscientes destas necessidades. Por isso, recentemente em Quebec indicaram a necessidade de efetuar um incremento substancial dos fundos alocados para manter as atividades da Comissão e a Corte em curso e encomendaram especialmente a XXXI Assembléia Geral da OEA, que terá lugar em San José da Costa Rica em junho do presente ano, que inicie ações para a consecução deste fim.

 

A Comissão aprecia que o fortalecimento do sistema tenha sido proclamado como o eixo da próxima Assembléia Geral a ser celebrada em San José e espera que nessa oportunidade os Estados membros incrementem de forma substancial os recursos financeiros da Comissão e da Corte, como passo indispensável para atingir os objetivos planejados pelos próprios Estados com relação ao fortalecimento do sistema e em consonância com o mandato recebido de nossos Presidentes e Chefes de Estado.

 

O aumento dos fundos deve ser destinado para o fortalecimento institucional dos órgãos, os que devem gozar da autonomia necessária para decidir como utilizar estes recursos adicionais, de conformidade com suas necessidades e estratégias de desenvolvimento, entre as quais estão incluídas o avanço a médio prazo em direção à permanência da Comissão e da Corte.  A Comissão apóia a idéia da permanência dos órgãos como um objetivo a alcançar a médio prazo. Por sua vez, entende que o processo gradual a fim de ter órgãos permanentes pode apresentar diferentes opções e modalidades que devem ser decididas pela Comissão e pela Corte. Tal decisão deve ser baseada nas metodologias de trabalho e necessidades específicas de cada um dos órgãos e nas atribuições convencionais e regulamentares de seus membros, presidentes, comissões diretivas e grupos de trabalho. Por exemplo, a Comissão, entre as opções que está considerando para chegar a sua permanência a médio prazo, no caso de contar com os recursos financeiros necessários, estão a contratação de mais advogados, a extensão gradual da duração de seus períodos ordinários de sessões,[21] a celebração de um novo período ordinário de sessões ou a reunião mais frequente e por maior tempo do grupo de trabalho sobre admissibilidades.[22]

 

8.          CONCLUSÃO

 

Senhoras e senhores representantes, o fim que todos perseguimos é a promoção e proteção efetiva dos direitos humanos na região. O sistema e seu aperfeiçoamento são um meio para este importante objetivo. Por isso, qualquer processo de reforma e aperfeiçoamento deve avançar no sentido de ampliar a proteção dos direitos.  O sistema interamericano salvou e continua salvando muitas vidas, permitiu abrir espaços democráticos no passado e contribui na atualidade com a consolidação das democracias de nossos países, combateu a impunidade e hoje ajuda a trazer justiça e reparações a vítimas de violações de direitos humanos contribuindo com isto para o Estado de Direito. Com a contribuição de todos seguiremos nesta via de uma América unida na proteção de valores essenciais de dignidade humana.  

 

Muito obrigado.

 

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[1] Ver a respeito, Claudio Grossman, Strengthening the Inter-American Human Rights System,: the current debate, em: American Society of International Law Proceedings (1998), pág. 186-192.

[2]  Ver Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 1996, Relatórios 47/96; 53/96; 54/96; 55/96 e 56/96, respectivamente.

[3]  Caso 11.212, Juan Chanay Pablo e outros (Colotenango).

[4] Aprovado no 109 período ordinário de sessões, dezembro 2000, ver CIDH, comunicado de imprensa 18/00 e Discurso do Decano Claudio Grossman, Presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na apresentação do Relatório Anual 2000 da CIDH à Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos do Conselho Permanente da OEA, Washington, D.C., 26 de abril de 2001.

[5] OEA, Relatório do Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Juiz Antônio A. Cançado Trindade, a Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (9 de março de 2001), OEA documento OEA/Ser.G/CP/CAJP-1770/01, de 16.03.2001, pág. 06-08.

[6] Claudio Grossman, Disappearances in Honduras: the need for direct victim representation in human rights litigation, em: The Hastings International and Comparative Law Review Vol. 15.3, 1992, pág. 363-389.

[7] Os Estados em que somente se aplica a Declaração são Antigua e Barbuda, Bahamas, Belize, Canadá, Cuba, Estados Unidos, Guiana, Santa Lucia, Saint Kitts and Nevis, Saint Vicent e Grenada, e Trinidad e Tobago.  A Comissão tem faculdades sobre estes Estados, em virtude de ser um órgão principal da OEA e pelas atribuições que lhe são outorgadas pelo artigo 20 de seu Estatuto. Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva OC-10/89, Interpretação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem dentro do marco do artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 14 de julho de 1989, Ser. A. No. 10 (1989), pars. 35-45; CIDH, James Terry Roach e Jay Pinkerton c. Estados Unidos, Caso 9647, Res. 3/87, 22 de setembro de 1987, Relatório Anual 1986-1987, pars. 46-49, Rafael Ferrer-Mazorra e Outros c Estados Unidos De América, Relatório N° 51/01, caso 9903, 4 de abril de 2001.

[8] Dominica, Granada e Jamaica.

[9] Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Ecuador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Uruguai e Venezuela. Pode-se adicionar a lista de outros instrumentos que tampouco foram ratificados universalmente. Os habitantes de vários países do hemisfério podem recorrer a Comissão e a Corte eventualmente para solicitar proteção a alguns de seus direitos econômicos, sociais e culturais desde a entrada em vigência do Protocolo de San Salvador, ou para alegar fatos de violência ou discriminação contra a mulher, através da Convenção de Belém do Pará.

[10] David Harris, Regional Protection of Human Rights: The Inter-American Achievement em The Inter-American System of Human Rights, David J. Harris and Stephen Livingstone (ed.) (1998) pág. 4.

[11]  Constituição da Organização Internacional do Trabalho, artigos 19 e concordantes. Ver. V. Leary, International Labor Conventions and National Law (1982).

[12] David Weissbrodt and Maria Luisa Bartolomei, The Effectiveness of International Human Rights Pressures: The case of Argentina, 1976-1983, 75 minnesota l.rev.1009 (1991).

[13] Juan Bautista Alberdi, Bases e pontos de partida para a organização política da República Argentina, Bs.As., Plus Ultra, 1991, pág. 255.

[14] Estatuto do Conselho da Europa, artigos 3, 8 e 9, European Treaties Series 1. D.J. HARRIS, M. O'BOYLE & C. WARBRICK, Law of the European Convention on Human Rights , Butterworths, 1995, p.700 e C. F. AMERASINGHE, Principles of the institutional law of international organizations, Cambridge University Press, 1996, pág. 115.

[15] Víctor Rodríguez Rescia, A Execução de Sentenças da Corte, em Méndez e Cox (ed.) O Futuro do Sistema Interamericano de Proteção dos direitos humanos, IIDH, San José (1998), pág. 479.

[16] Podem-se mencionar, entre outros: Colômbia: Lei 288 de 1996, pela qual se estabelecem mecanismos específicos para a indenização de prejuízos às vítimas de violações de Direitos Humanos em virtude do disposto por determinados órgãos internacionais de Direitos Humanos, entre eles a Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Costa Rica: O artigo 27 do acordo entre o Governo da Costa Rica e a Corte Interamericana dispõe que as resoluções de tal órgão ou de seu Presidente teram o mesmo efeito que aquelas ditadas pelo poder judicial costarricense uma vez que as mesmas tenham sido comunicadas às autoridades administrativas e judiciais da Costa Rica; Honduras: A Constituição estabelece em seu artigo 15 que "Honduras tem seus princípios e práticas do direito internacional que propendem à solidariedade humana, ao respeito da autodeterminação dos povos, a não intervenção e ao afiançamento da paz e da democracia universais.  Honduras proclama como ineludível a validez e obrigatória a ejecução das sentenças arbitrais e judiciais de carácter internacional"; México: A Lei sobre a Celebração de Tratados estipula em seu artigo 11 que "As sentenças, laudos arbitrais e demais resoluções jurisdicionais derivados da aplicação dos mecanismos internacionais para a resolução de controvérsias legais a que se refere o artigo 8o., terão eficácia e serão reconhecidos na República, e poderão ser utilizadas como prova nos casos de nacionais que se encontrem na mesma situação jurídica, de conformidade com o Código Federal de Procedimentos Civis e os tratados aplicáveis”; Peru: Lei 23506, artigo 40: "A resolução do organismo internacional cuja a jurisdição obrigatória se ache submetido o Estado Peruano, não requere para sua validez e eficácia do reconhecimento, revisão nem exame prévio algum. A Corte Suprema de Justiça da República recepcionará as resoluções emitidas pelo organismo internacional, e disporá sua ejecução e cumprimento de conformidade com as normas e procedimentos internos e vigentes sobre ejecução de sentenças”.  Venezuela: a Constituição de 1999 dispõe em seu artigo 31 que o Estado adotará, conforme os procedimentos estabelecidos na Constituição e a lei, as medidas que sejam necessárias para dar cumprimento as decisões emanadas dos órgãos internacionais de direitos humanos.

[17]  Veja entre outros Ariel Dulitzky, “Os Tratados de Direitos Humanos no Constitucionalismo Iberoamericano”, Estudos Profundizados de Direitos Humanos, IIDH, 1996.

[18] Pode-se ver, Martín Abregú e Christian Courtis (comps.), A aplicação dos tratados sobre direitos humanos pelos tribunais locais, CELS – Editores del Puerto, Buenos Aires, 1997. Rodolfo E. Piza Escalante, O valor do direito e a jurisprudência internacionais de direitos humanos no direito e a justiça internos: o exemplo de Costa Rica, em: Corte Interamericana de Direitos humanos, Liber Amicorum Héctor Fix-Zamudio (1998), pág.169-191 Max Alejandro Flores Rodríguez, Aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela Corte Constitucional e os juízes, em Espaços internacionais para a justiça colombiana, vol. III, Comissão Andina de Juristas, Seção Colombiana, 1993.

[19] Lillich, Richard The Role of Domestic Courts in Enforcing International Human Rights Law, en Guide to Internationational Human Rights Practice, editado por Hurst Hannum, University of Pennsylvania Press, pág. 228. Mohammed Bedjaoui, The Reception by National Courts of Decisions of International Tribunals, en International Law Decisions in National Court, Edited by Thomas M. Frank & Gregory H. Fox, Transnational Publishers, Inc. New York, 1996, pág. 22.

[20] Andrew Moravcsik, Explaining International Human Rights Regimes: Liberal Theory and Western Europe, 1:2 European J. Int'l Relations 157, 178 (1995), Carlos Fernández de Casadevante, A aplicação do convênio Europeu de Direitos Humanos em Espanha, Tecnos, Madrid, 1988.

[21] Atualmente a Comissão se reúne em dois períodos ordinários de sessões de três semanas de duração cada um. Seria possível estender estes períodos para quatro ou mais semanas cada um.

[22] De conformidade com o artigo 36 de seu novo Regulamento, haverá um Grupo de trabalho sobre admissibilidade que se reunirá antes de cada período ordinário de sessões. O artigo 30 e concordantes do Regulamento estabelecem que a Comissão deve adotar, em princípio, decisões de admissibilidade em cada uma das petições que tramita.  De conformidade com um estudo realizado pela Secretaria da Comissão para o 110º período ordinário de sessões, celebrado em fevereiro deste ano, na atualidade há mais de 650 petições que não tem ainda decisões de admissibilidade.