d.         Artigos 4 e 8- Direito a um julgamento imparcial

74.       Com respeito às alegações dos peticionários de violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 8 da Convenção em razão das instruções do juiz de primeira instância aos jurados, o Estado sustenta que, quando se questiona a condução de um julgamento, o exame da questão compete às instâncias de apelação. Nesse sentido, o Estado baseia-se na decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso de Trevor Walker e Lawson Richards, em que, de acordo com o Estado, o Comitê entendeu que, em geral, compete aos tribunais de apelação dos Estados partes do Pacto avaliar os fatos e as provas em cada caso, e que corresponde a esses tribunais, e não ao Comitê, examinar as instruções específicas dadas pelo juiz aos jurados nos tribunais de júri, a menos que se possa determinar que estas instruções são claramente arbitrárias ou equivalem a uma denegação de justiça, ou que o juiz tenha violado manifestamente sua obrigação de imparcialidade.

75.       Em consequência, o Estado argumenta que as decisões adotadas em julgamentos penais devem ser examinadas pelas instâncias de apelação e não pela Comissão, a menos que se possa provar que o comportamento durante o julgamento deu  lugar a uma denegação de justiça. No caso do Sr. Thomas, o Estado indica que as instruções do juiz de primeira instância aos jurados foram examinadas e a apelação foi indeferida pelo Tribunal de Apelações, que a condução do julgamento do Sr. Thomas não deu lugar a uma denegação de justiça e que, portanto, não houve violação do artigo 8 da Convenção.           

IV.        ANÁLISE

A.         Competência da Comissão

76.       O Estado depositou seu instrumento de adesão a Convenção Americana em 7 de agosto de 1978,[14] e os peticionários alegam que violou os artigos 4, 5, e 8 da Convenção, a respeito dos atos e omissões que ocorreram posteriormente à adesão. O Sr. Thomas é cidadão natural da Jamaica e os peticionários estão autorizados de conformidade com o artigo 44 da Convenção para interpor a petição em seu nome perante a Comissão. Portanto, a Comissão conclui que é competente para examinar esta petição.

B.        Admissibilidade

77.       A Comissão examinou a admissibilidade da presente denúncia conforme os artigos 46 e 47 da Convenção.           

78.       Como assinala na Parte III.B.1 do presente relatório, o Estado, em suas observações de 16 de setembro de 1999, indicou que “renunciava ao exercício do seu direito a abordar a questão da admissibilidade procederia a considerar o mérito da petição “oportunamente”. O Estado não formulou posteriormente argumentação alguma a respeito da admissibilidade da petição do Sr. Thomas.

1.         Duplicidade

79.       De acordo com os artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção, a admissibilidade da petição está sujeita ao requisito de que a matéria da mesma não esteja pendente em outra instância internacional para sua solução e não seja substancialmente igual a outra já examinada pela Comissão ou por outro órgão internacional. Os peticionários indicam que a matéria de sua petição não foi submetida a exame de nenhuma outra instância internacional de investigação ou solução. O Estado não contestou a questão de duplicidade. Portanto, a Comissão conclui que não há impedimento algum para a consideração deste caso conforme os artigos 46 (1)(c) e 47(d) da Convenção.

2.         Esgotamento dos recursos internos

 80.       O artigo 46(1)(a) da Convenção estabelece que, para que um caso seja admitido, se requer “que se tenham interpostos e esgotados os recursos de jurisdição interna, conforme os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos.” Entretanto, quando os recursos não estão disponíveis, tanto de fato como de direito, é possível fazer uma exceção ao requisito de esgotamento. O artigo 46(2) da Convenção dispõe que esta exceção ao esgotamento se aplica quando: a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados; b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos. Quando uma vítima alega que não pôde provar o esgotamento previsto no artigo 46(2) da Convenção, o artigo 37(3) do Regulamento da Comissão estabelece que compete ao Estado demonstrar que não foram esgotados os recursos de sua legislação.[15]

81.       A vítima tampouco tem que demonstrar que esgotou os recursos internos quando o Estado contra o qual a petição é interposta renuncia ao seu direito de arguir este requisito. A este respeito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que a norma que exige o esgotamento prévio dos recursos internos tem a finalidade de beneficiar o Estado, posto que procura evitar que este tenha que responder a acusações perante um órgão internacional por atos que imputados contra ele, antes de ter a oportunidade de repará-los por meios internos. Segundo a Corte, o requisito é considerado um meio de defesa e, portanto, é possível renunciar a este, inclusive tacitamente; e que, uma vez produzida essa renúncia, a mesma é irrevogável.[16]

82.       Tendo em conta que o Estado não apresentou suas observações sobre o esgotamento dos recursos internos neste caso, a Comissão conclui que o Estado renunciou expressa ou tacitamente a toda impugnação a respeito do esgotamento dos recursos internos pelo Sr. Thomas.  Portanto, a Comissão não considera que o presente caso seja inadmissível em virtude do artigo 46(1)(a) da Convenção.

3.         Prazo para apresentação da petição

83.       O artigo 46(1)(b) da Convenção dispõe que a admissão de uma petição está sujeita ao requisito de que a mesma seja interposta perante a Comissão no prazo de seis meses a partir da data em que a parte que alega as violações de seus direitos tenha sido notificada da sentença definitiva.

84.       Os antecedentes perante a Comissão indicam que o Comitê Judicial do Conselho Privado indeferiu a petição de autorização especial para apelar apresentada pelo Sr. Thomas em 15 de abril de 1999 e que os peticionários apresentaram esta petição perante a Comissão em 21 de junho de 1999, portanto, dentro dos seis meses a partir da data do relatório final.  O Estado não contestou a questão do prazo da apresentação da petição. Em consequência, a Comissão não considera que haja impedimento algum para a consideração deste caso conforme o artigo 46(1)(b) da Convenção.

4.         Caráter razoável da petição

85.       O artigo 47(b) da Convenção requer que se declare inadmissível a petição que não apresente fatos que tendem a estabelecer uma violação dos direitos garantidos na Convenção. O artigo 47(d) da Convenção considera inadmissível toda comunicação nas declarações do peticionário ou do Estado que indiquem a mesma é manifestadamente infundada.

86.       Os peticionários alegaram que o Estado violou os direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 4, 5 e 8 da Convenção e apresentaram alegações de fato, descritas na Parte III.A.1 do presente relatório, que, na opinião da Comissão tendem caracterizar que as violações alegadas poderiam ser fundadas.

87.       Sendo assim, a Comissão conclui que os peticionários apresentaram denúncias razoáveis de violação dos direitos do Sr. Thomas amparados na Convenção, aos efeitos dos artigos 47(b) e 47(c) da Convenção.

5.         Conclusões sobre a admissibilidade

88.       De acordo com a análise que antecede dos requisitos inseridos nos artigos 46 e 47 da Convenção, e sem prejudicar o mérito da questão, a Comissão decide declarar admissíveis as denúncias apresentadas em nome de Joseph Thomas no presente caso.

C.        Mérito

89.       Como detalhado na Parte III.A.1 deste relatório, os peticionários no presente caso alegam as seguintes violações da Convenção a respeito do Sr. Thomas:

(a)        a violação dos artigos 4(1), 4(2), e 5 da Convenção, em relação com o caráter obrigatório da pena de morte imposta ao Sr. Thomas;

(b)        a violação do artigo 4(6) da Convenção, em relação com o processo disponível ao Sr. Thomas para procurar a anistia, o indulto ou a comutação da pena na Jamaica;

(c)        a violação do artigo 5 da Convenção, em relação com as condições de detenção e o método de execução do Sr. Thomas na Jamaica;

(d)        a violação do artigo 8 da Convenção, em relação à ausência de reconhecimento policial depois da detenção do Sr. Thomas e as instruções do juiz de primeira instância ao jurados durante o processo penal do Sr. Thomas.

1.         Norma de exame

90.       Em resposta as diversas normas sugeridas pelas partes à Comissão relativas a determinação da matéria, a CIDH esclarece que procederá ao exame do mérito da denúncia dos peticionários de conformidade com a doutrina da Comissão de aplicar o nível mais alto de escrutínio. Segundo esta norma de revisão, a Comissão submeterá as alegações das partes a um nível alto de escrutínio com a finalidade de assegurar que toda privação da vida que imponha o Estado parte em virtude de que uma sentença de morte cumpra estritamente com artigos 4, 5, e 8 da Convenção.[17] A prova de um maior escrutínio é, como reconheceu previamente a Comissão, congruente com o critério restritivo  adotado pela Comissão e por outras autoridades internacionais em relação às disposições dos tratados de direitos humanos sobre pena de morte.[18] A prova de máximo nível de escrutínio tampouco impede que a Comissão aplique a fórmula da quarta instância, conforme a qual, em princípio, não examina as sentenças pronunciadas pelos tribunais internos que atuaram dentro de sua competência e com as devidas garantias judiciais, a menos que as alegações do peticionário comportem uma possível violação de algum dos direitos consagrados na Convenção.[19] Portanto, a Comissão aplicará a prova de um maior escrutínio para a determinação das denúncias no presente caso.

2.         Artigos 4, 5 e 8 da Convenção  - Caráter obrigatório da pena de morte

a.         A sentença de pena de morte obrigatória imposta ao Sr. Thomas

            91.       Os antecedentes do presente caso indicam que o Sr. Thomas foi condenado por homicídio punível com pena capital sentenciado a morte. A sentença de morte foi imposta de acordo com a legislação da Jamaica que prescreve a pena de morte como único castigo disponível quando o acusado é determinado  culpado de homicídio punível com pena capital.

            92.       Em particular, como indicado na Parte I do presente relatório, o Sr. Thomas foi condenado pelos delitos de homicídio punível com pena capital, de conformidade com a Lei de delitos contra a pessoa, e suas emendas de 1992.[20]  A Seção 2(1) de referida lei define o homicídio punível com pena capital nos seguintes termos:

2.(1) Sujeito à subseção (2), o homicídio cometido nas circunstâncias seguintes será homicídio punível com pena capital, isto é -

(a)           o homicídio de -

(i)            um integrante das forças de segurança atuando no cumprimento de suas funções, ou de uma pessoa que assista a esse integrante no cumprimento de suas funções;

(ii)           um funcionário correcional que atue no cumprimento de suas funções ou de uma pessoa que o assista no cumprimento de suas funções;

(iii)          um funcionário judicial que atue no cumprimento de suas funções, ou

(iv)           toda pessoa, atuando no cumprimento de suas funções, sendo que, para o referido cumprimento das funções, está autorizada por uma lei vigente, a exercer as mesmas faculdades, autoridade e prerrogativas de que dispõe os integrantes da força policial da Jamaica,

ou o homicídio de um integrante das forças de segurança, funcionário correcional ou judicial, ou outra pessoa, por alguma razão diretamente relacionada à natureza de sua ocupação;[21]

               

(b)  o homicídio de uma pessoa por alguma razão diretamente atribuível a

(i)   sua condição de testemunha ou parte em uma causa ou matéria civil pendente ou finalizada, ou em um processo penal, ou

(ii)   o serviço que presta ou prestou essa pessoa como jurado num processo penal

(c)   o homicídio de um juiz de paz que atue em cumprimento de suas funções judiciais;

(d)   o homicídio cometido por uma pessoa no curso ou fomento de -

(i)    roubo;

(ii)    roubo com quebra ou invasão de domicílio;

(iii)   incêndio intencional de uma residência; ou

(iv)   delito sexual;

(e)    o homicídio cometido por razão de dinheiro ou algo de valor -

(i)     passa ou tenta passar por uma pessoa a outra ou a um terceiro a pedido ou por instrução dessa outra pessoa; ou

(ii)     é prometido por uma pessoa a outra ou a um terceiro a pedido ou por instrução dessa outra pessoa,

como pagamento para que essa outra pessoa cause ou ajude a causar a morte de uma pessoa, ou ofereça assessoramento ou procure uma pessoa para cometer um ato que cause ou ajude a causar mencionada morte;

(f)     o homicídio cometido por uma pessoa no curso ou fomento de um ato de terrorismo, ou seja, um ato que comporte o uso de violência por referida pessoa e que, em razão de sua natureza e alcance, está calculado para criar um estado de temor na população ou num segmento da população.

            93.       A Seção 3(1) da Lei prescreve, por sua vez, a pena de morte como castigo obrigatório para toda pessoa condenada pelo delito punível com pena capital, de acordo com a  definição da Seção 2 da Lei:

2(1) Todo condenado por homicídio punível com pena capital será sentenciado a morte e depois dessa condenação o tribunal pronunciará uma sentença de morte, sendo que a mesma poderá ser executada como vem sendo a prática até agora; e toda pessoa assim condenada ou sentenciada conforme a subseção (1A), será confinada depois da sentença num lugar seguro dentro da prisão, separada dos demais presos. 

Quando em virtude desta seção uma pessoa seja sentenciada a morte, a forma da sentença será aquela que sofra a morte da maneira autorizada pela Lei."[22]

            94.       Portanto, a Lei prescreve a morte como castigo obrigatório para todos os indivíduos condenados por homicídio punível com pena capital. Este, por sua vez, inclui o homicídio cometido no curso ou fomento de alguns outros delitos, incluindo o roubo, a invasão de propriedade e o incêndio intencional de uma residência.  Em consequência, uma vez que o Jurado decidiu que o Sr. Thomas era culpado de homicídio punível com pena capital, esta pena era o único castigo disponível. O Estado não negou o caráter obrigatório da pena imposta ao Sr. Thomas.

            95.       A  Comissão determinou, em casos anteriores[23], que na Jamaica os delitos de homicídio punível com pena capital estão sujeitos a uma “pena de morte obrigatória”, a saber, uma sentença de morte que a lei obriga a autoridade que pronuncia a sentença a impor unicamente com base na categoria do delito de que o acusado é responsável. Uma vez que o acusado é culpado do delito de homicídio punível com pena capital, deve ser imposta a pena de morte. Em consequência, o tribunal não pode considerar as circunstâncias atenuantes ao  emitir a sentença de morte depois de pronunciada a condenação por homicídio punível com pena capital.  Não obstante, isto está sujeito a uma exceção. A Seção 3(2) da lei faz uma exceção da pena de morte com relação as delinquentes mulheres condenadas por delitos puníveis com  morte que o júri estima que estão grávidas.[24]           

            96.       Desta forma, a pena para uma delinquente mulher que é condenada por homicídio punível com pena capital, mas que o júri determina que está grávida, é uma sentença de prisão perpétua, com ou sem trabalhos forçados, e não uma sentença de morte.

            97.       Como indicado na parte III.A.3.a do presente relatório, os peticionários alegam que a sentença obrigatória de pena de morte contra o Sr. Thomas viola um ou mais dos artigos 4(1), 4(2), e 5(2) da Convenção Americana, principalmente porque o processo de formulação de sentenças na Jamaica não oferece a oportunidade de que os delinquentes apresentem fatores atenuantes em relação às circunstâncias pessoais ou ao delito, para determinar se a pena de morte é um castigo adequado.

b.         A sentença de morte contra o Sr. Thomas, de acordo com os artigos 4, 5 e 8 da Convenção

98.       Em casos anteriores que envolviam a aplicação da pena capital ao amparo da lei de delitos contra a pessoa na Jamaica, a Comissão avaliou o caráter obrigatório da pena de morte previsto nessa legislação à luz do artigo 4 (direito à vida),[25] artigo 5 (direito ao tratamento humano)[26] e o artigo 8 (direito a um julgamento imparcial)[27] da Convenção e os princípios em que se fundamentam estas disposições.  Também considerou a pena de morte obrigatória tendo em conta as autoridades de outras jurisdições internacionais e nacionais na medida em que essas autoridades possam informar sobre as normas pertinentes que devem ser aplicadas de conformidade com a Convenção Americana.[28] Com base nessas considerações e na análise realizada, a Comissão passa a expor suas conclusões.

99.       Em primeiro lugar, a Comissão conclui que os órgãos supervisores dos instrumentos internacionais de direitos humanos submeteram as disposições sobre pena de morte de seus instrumentos orgânicos a uma interpretação restritiva da norma para assegurar que a lei controle e limite às circunstâncias em que as autoridades de um Estado possam privar a vida de uma pessoa.  Isto inclui o cumprimento estrito das normas do devido processo.[29]

100.     Ademais, a Comissão identificou um reconhecimento geral por parte das autoridades nacionais e internacionais de que a pena de morte é uma forma de castigo que difere em substância e grau de outros meios de sanção.  Trata-se de uma forma absoluta de castigo que dá lugar à privação do mais valioso dos direitos, o direito a vida, e que, uma vez implementada, é irrevogável e irreparável. Consequentemente, a Comissão determinou que o fato de que a pena de morte seja um castigo excepcional também deve ser reconhecida na  interpretação do artigo 4 da Convenção Americana.[30]

101.     Por último, a Comissão observou que, de acordo com os termos expressos do artigo 4 da Convenção, certas circunstâncias do delinquente e do delito podem proibir a imposição ou aplicação da pena de morte e, em consequência, devem ser levados em conta no momento se sentenciar uma pessoa a morte.[31]

102.     No contexto destas normas e princípios interpretativos, a Comissão também avaliou previamente a legislação sobre pena de morte obrigatória conforme os artigos 4, 5 e 8 da Convenção, e chegou à conclusão que a imposição da pena de morte por sentença obrigatória, como é feito na Jamaica nos casos de delito de homicídio punível com pena capital, não é congruente com os termos dos artigos 4(1), 5(1), 5(2), 8(1) e 8(2) da Convenção nem com os princípios nos quais estes se fundamentam.[32] A este respeito, a Comissão observa que uma maioria do Comitê de Direitos Humanos da ONU recentemente chegou a uma conclusão similar no contexto do artigo 6(1) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.[33]

103.     A Comissão determinou que a imposição da pena de morte de maneira congruente com os artigos 4, 5 e 8 da Convenção exige um mecanismo efetivo pelo qual o acusado possa apresentar argumentos e provas perante o Tribunal que pronuncia a sentença  a respeito da hipótese da pena de morte ser um castigo permissível e apropriado nas circunstâncias de cada caso.  Na opinião da Comissão, isto inclui, mas não se limita, argumentos e provas a fim de determinar se alguns dos fatores incorporados no artigo 4 da Convenção poderiam proibir a imposição da pena de morte.[34]

104.     Para chegar a essa conclusão, a Comissão identificou um princípio comum às  jurisdições democráticas que mantiveram a pena de morte, segundo o qual esta pena somente deve ser implementada mediante sentenças "individualizadas".[35]  Através deste mecanismo, o acusado tem direito a apresentar argumentos e provas de qualquer circunstância atenuante em relação a sua pessoa ou seu delito, e o tribunal que impõe a sentença tem discricionariedade para considerar esses fatores a fim de determinar se a pena de morte é um castigo permissível ou apropriado.  Os fatores atenuantes podem estar vinculados à gravidade do delito em particular o grau de culpabilidade do delinquente em particular, e podem incluir fatores tais como o caráter e os antecedentes do acusado, fatores subjetivos que poderiam ter motivado sua conduta, a intenção e a maneira de executar o delito em particular, e a possibilidade de reforma e readaptação social do acusado.

105.     Por último, a Comissão observou anteriormente que a Jamaica já considerou pertinente prescrever  em sua legislação um mecanismo pelos qual o jurado pode determinar se uma delinquente mulher deve ser eximida da pena de morte por estar grávida. Portanto, a Comissão considerou que já existe na legislação da Jamaica a base para estender este mecanismo ou desenvolver  um outro similar, que permita ao júri considerar outros possíveis fatores atenuantes vinculados ao delinquente, para determinar se a pena de morte deve ser imposta nas circunstâncias de seu caso.[36]

106.     Aplicando estas conclusões no contexto do caso sob sua consideração, a Comissão confirmou que Sr. Thomas foi condenado pelos delitos de homicídio punível com pena capital, de acordo com a Lei de delitos contra a pessoa da Jamaica. Uma vez que o delinquente é encontrado culpado de homicídio punível com pena capital, conforme a lei, seção  3(1) requer que o tribunal imponha a pena de morte. Com exceção das disposições das seções 3(2) a 3(6) da lei, que regem os casos de delinquentes grávidas, não foram identificadas disposições na lei que permitam que um juiz ou um jurado considere as circunstâncias pessoais do delinquente ou de seu delito, como os antecedentes ou o caráter do delinquente, os fatores subjetivos que poderiam ter motivado seu comportamento, ou a possibilidade de reforma ou readaptação social, para determinar se a pena de morte é um castigo apropriado para um determinado delinquente, nas circunstâncias de seu caso. Depois de satisfazer os elementos da Seção 3(1) da lei, a morte é apenas pena automática.

107.     Em consequência, a Comissão conclui que, uma vez que o Sr. Thomas foi encontrado culpado de seus delitos, a lei da Jamaica não permite uma audiência dos tribunais para determinar se a pena de morte era um castigo permissível ou adequado.  Não houve oportunidade do juiz de primeira instância ou o jurado considerar fatores do Sr. Thomas como seu caráter e seus antecedentes, a natureza ou  gravidade de seu delito, ou fatores subjetivos que pudessem ter motivado sua conduta, para determinar se a pena de morte era um castigo adequado.  De forma análoga, o Sr. Thomas não pode apresentar argumentos sobre estas questões, e por isso não existe nos autos informação sobre possíveis fatores atenuantes que pudessem ter sido apresentados perante o tribunal de primeira instância.  O tribunal sentenciou ao Sr. Thomas uma pena de morte obrigatória somente por causa da categoria do delito pelo qual foi condenado.

108.     Nesse contexto, e tendo em vista a análise anterior sobre a pena de morte obrigatória, a Comissão conclui que o Estado violou os direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 4(1), 5(1), 5(2), e 8(1) da Convenção, conjuntamente com a violação dos artigos 1(1) e 2 da mesma, ao sentenciá-lo a uma pena de morte obrigatória.

109.     Com relação ao artigo 4(1) da Convenção, a Comissão chega à conclusão de que o tribunal de primeira instância se viu obrigado pela legislação do Estado a impor uma sentença de morte contra o Sr. Thomas, sem nenhuma discricionariedade para considerar suas características pessoais e as circunstâncias particulares do delito a fim de determinar se a  pena de morte era um castigo adequado.  O Sr. Thomas tampouco teve oportunidade de apresentar argumentos e provas sobre a hipótese de a pena de morte ser um castigo adequado nas circunstâncias de seu caso.  Pelo contrário, a pena de morte foi imposta ao Sr. Thomas de forma automática e sem uma distinção de princípios ou racionalização que permitisse averiguar se a pena era uma forma adequada de punição nas circunstâncias particulares do seu caso.  Além disso, a pertinência da sentença imposta não estava sujeita a nenhuma forma de revisão judicial efetiva e a execução e a morte do Sr. Thomas em mãos do Estado é iminente, tendo a sua condenação sido mantida em instância de apelação perante a máxima instância judiciária da Jamaica.  Por conseguinte, a Comissão conclui que o Estado, devido a seu comportamento, violou os direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 4(1) da Convenção a não ser privado arbitrariamente de sua vida e, portanto, a sentença de morte contra sua pessoa é ilegítima.[37]

110.     A Comissão conclui também que, ao sentenciar o Sr. Thomas a uma pena de morte obrigatória sem considerar suas circunstâncias individuais, o Estado não respeitou sua integridade física, mental e moral, em contravenção ao artigo 5(1) da Convenção, e submeteu-o a um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante, em violação do artigo 5(2).  O Estado sentenciou a morte o Sr. Thomas somente porque foi condenado por uma categoria pré-determinada de delitos. Em consequência, o processo a que foi submetido o priva do mais elementar dos direitos, ou seja, o direito a vida, sem considerar suas circunstâncias pessoais e as circunstâncias particulares de seus delitos. Este tratamento, não somente não reconhece nem respeita a integridade do Sr. Thomas como ser humano, mas também o submete em  todas as circunstâncias a um tratamento desumano ou degradante. Portanto, o Estado violou os artigos 5(1) e 5(2) da Convenção em referência ao Sr. Thomas.[38]

111.     Por último, a Comissão conclui que o Estado violou o artigo 8(1) da Convenção, em conjunção com os requisitos do artigo 4 da Convenção, por submeter o Sr. Thomas a uma sentença de morte obrigatória.  Ao negar ao Sr. Thomas uma oportunidade para apresentar argumentos e provas perante o juiz de primeira instância quanto à possibilidade de seu delito merecer a pena capital de morte, conforme disposto no artigo 4 da Convenção o Estado também negou ao Sr. Thomas seu direito a responder e defender-se plenamente das acusações penais contra sua pessoa, em violação ao artigo 8(1) da Convenção.[39]

112.     De acordo com as conclusões da Comissão, estima-se que se o Estado executasse o Sr. Thomas em virtude de sua sentença de morte, isto constituiria outra violação irreparável dos artigos 4 e 5 da Convenção.

3.         Artigo 4(6) da Convenção e prerrogativa de clemência na Jamaica

113.     O artigo 4(6) da Convenção dispõe que "toda pessoa condenada à morte tem o direito a solicitar a anistia, indulto ou a comutação da pena, os quais poderão ser concedidos em todos os casos.  Não é possível aplicar a pena de morte enquanto a solicitação esteja pendente de decisão perante a autoridade competente".

114.     Os peticionários também sustentam que o processo para a concessão de anistia, o indulto ou a comutação da sentença na Jamaica é incongruente com o artigo 4(6) da Convenção posto que não prevê certos direitos processuais que os peticionários afirmam serem necessários para que o direito seja efetivo. A este respeito, as Seções 90 e 91 da Constituição do Estado estabelecem as circunstâncias em que o Executivo na Jamaica pode exercer a prerrogativa de clemência:

90 (1)     O Governador-Geral pode, em nome de Sua Majestade,

(a)          outorgar o indulto, com liberdade total ou mediante condições legais, a toda pessoa condenada por um delito contra a Lei da Jamaica;

(b)          outorgar a toda pessoa a suspensão indefinida ou por um prazo específico da execução de todo castigo que se lhe tenha sido imposto  por um delito;

(c)          comutar a pena imposta contra uma pessoa por um delito, por outra forma de castigo menos severa, ou

(d)          revogar  total ou parcialmente todo castigo imposto a uma pessoa por um delito ou toda multa ou pena a favor da Coroa por um delito.

(2)          No exercício das faculdades que lhe confere a presente seção, o Governador-Geral atuará por recomendação do Conselho Privado.

91(1)      Quando uma pessoa seja sentenciada a morte por um delito contra a Lei da Jamaica, o Governador-Geral encomendará um relatório escrito do caso ao juiz de primeira instância, junto com toda outra informação derivada dos antecedentes do caso ou de outra fonte, que o Governador-Geral requeira, o qual será remetido ao Conselho Privado para que este o assessore de acordo com as disposições da seção 90 da presente Constituição.

(2)          A faculdade de requerer informação conferida ao Governador-Geral pela subseção 1) da presente seção será exercida por ele por recomendação do Conselho Privado ou de oficio, no caso em que, na sua opinião, a matéria seja demasiada urgente para obter referida recomendação a tempo para atuar[40]

115.     Ao examinar esta questão, a Comissão observa, em primeiro lugar, que no caso McKenzie e outros contra Jamaica, foi determinado que o procedimento para exercer a prerrogativa de clemência conforme as Seções 90 e 91 da Constituição da Jamaica não garantia aos condenados naquele caso uma oportunidade efetiva e adequada de participar no procedimento de clemência, como requer o artigo 4(6) da Convenção.[41]

116.     Para chegar a esta conclusão a Comissão interpretou o direito a solicitar a anistia, o indulto ou a comutação da sentença consagrada no artigo 4(6), em conjunção com as obrigações que impõe ao Estado o artigo 1(1) da Convenção, no sentido de que compreende certas garantias processuais mínimas para os condenados, a fim de que se respeite e goze efetivamente esse direito.  Entendeu-se que essas proteções incluem o direito do condenado a apresentar uma solicitação de anistia, indulto ou comutação da pena, a ser informado do momento em que a autoridade competente considerar o caso do acusado, a apresentar argumentos, pessoalmente ou através de um assessor perante a autoridade competente, e a receber uma decisão da autoridade dentro de um prazo razoável antes de sua execução.[42] Também se considerou o direito a que não seja imposta ao acusado a pena capital enquanto uma petição esteja pendente de decisão da autoridade competente.[43]

117.     Ao decidir o caso McKenzie e outros, a Comissão possuía informação que indicava que nem a legislação nem os tribunais da Jamaica garantiam aos presos nesses casos proteção processual alguma em relação ao exercício da prerrogativa de clemência.  Pelo contrário, os peticionários e o Estado nesse caso indicaram que, de acordo com a jurisprudência interna dessa época, o exercício da faculdade de indulto na Jamaica comportava um ato de misericórdia que não estava sujeito a direitos legais e, portanto, não estava submetido à revisão judicial, e citaram em apoio deste argumento à decisão do Comitê Judicial do Conselho Privado no caso Reckley, supra.

118.     Depois da aprovação do relatório do caso McKenzie e outros, a Comissão recebeu informação no sentido de que em 12 de setembro de 2000, em sentença proferida no caso Neville Lewis e outros contra o Procurador-Geral da Jamaica, o Comitê Judicial do Conselho Privado chegou a conclusão de que a petição de clemência sob amparo da Constituição da Jamaica está aberta a revisão judicial.[44] O Comitê Judicial do Conselho Privado também concluiu que o procedimento para a clemência deve ser exercido mediante um processo imparcial e adequado, que exige, por exemplo, que cada condenado seja notificado com suficiente antecipação da data em que o Conselho Privado da Jamaica considerará seu caso, e tenha oportunidade de apresentar argumentos em respaldo a seu caso e receba cópias dos documentos que serão examinados pelo Conselho Privado da Jamaica.[45]           

119.     Apesar do decidido no caso Neville Lewis, não existe informação no presente caso que indique que o Estado haja estendido aos condenados os requisitos jurídicos articulados nessa decisão. Pelo contrário, os antecedentes somente indicam que foi negado ao Sr. Thomas a clemência pelo menos uma vez, quando lhe foi dada a leitura da ordem de execução, em maio de 1999, sem que tenha tido oportunidade de apresentar seus argumentos perante o Conselho Privado da Jamaica.  Em consequência, com base na informação disponível, a Comissão conclui que o processo a que teve acesso o Sr. Thomas para buscar a anistia, o indulto ou a comutação da pena não lhe garantiu uma oportunidade efetiva e adequada de participação.

120.     A Comissão, portanto, conclui que o Estado violou os direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 4(6) da Convenção, e os artigos 1(1) e 2 da mesma, por negar-lhe um direito efetivo a solicitar a anistia, ou indulto ou a comutação da pena.

4.         Artigos 4 e 5 da Convenção – Condições de detenção e método de execução

121.     Os peticionários alegam que as condições nas quais o Estado manteve detido o  Sr. Thomas constituem uma violação do artigo 5(1) da Convenção que determina o respeito a  sua integridade física, mental e moral, e do artigo 5(2) da mesma que estabelece que este não seja submetido a uma castigo ou trato cruel, desumano ou degradante.

122.     Como descrito na parte III.A.3.c do presente relatório, os peticionários formularam numerosas alegações em relação às condições de detenção do Sr. Thomas antes do julgamento e depois da condenação, com base em parte numa declaração jurada do Sr. Thomas.  Afirmam que no período entre sua detenção em janeiro de 1995 e o julgamento em outubro de 1996, o Sr. Thomas foi detido em circunstâncias desumanas, pois sua cela não tinha higiene suficiente, foi obrigado a dormir no chão e lhe davam alimentos inadequados. Os peticionários afirmam que, desde sua condenação em outubro de 1996, o Sr. Thomas vem sendo mantido em espera de execução na penitenciária de St. Catherine, onde permanece em sua cela 23 horas por dia. Alegam também que o Sr. Thomas não possui colchão, dorme num bloco de cimento, e deve utilizar um balde para suas necessidades fisiológicas. Segundo os peticionários, a cela do Sr. Thomas não tem ventilação suficiente nem luz elétrica e os alimentos que lhe dão são de muita baixa qualidade. Ademais, os peticionários alegam que não é oferecida atenção médica nem psiquiátrica aos presos, e que não existe um mecanismo adequado para canalizar as queixas.

123.     Os peticionários sustentam também que suas alegações estão corroboradas por fontes de informação mais generalizada a respeito das condições carcerárias na Jamaica, incluindo um relatório de 1993 preparado por Americas Watch sobre a pena de morte, as condições carcerárias e a violência na Jamaica, e um relatório de dezembro de 1993 divulgado pela Anistia Internacional que propõe uma investigação da morte e o maltrato dos presos da penitenciária do distrito de St. Catherine.

124.     O Estado sustenta que, apesar do conteúdo desses relatórios, não se pode adotar uma posição generalizada cada vez que é interposta uma petição perante a Comissão, sendo que cada petição deve ser examinada de forma individual.

125.     Além disso, o Estado apresentou uma versão substancialmente diferente das condições de detenção dos condenados em espera de execução na penitenciária do distrito de St. Catherine, referindo-se a declarações juradas de novembro de 1998 referente às condições de detenção do presidiário Neville Lewis em espera de execução. Com base nessas  declarações, o Estado questiona a caracterização das condições de detenção do Sr. Thomas. Sustenta, por exemplo, que os presos em espera de execução recebem um colchão de espuma de goma, que se lhes permite colocar lâmpadas nas celas, que a ventilação destas é muito boa e que os presos limpam as suas celas diariamente sob a supervisão de um guarda.

126.     O Estado também afirma que um funcionário superior da penitenciária está encarregado de comunicar-se diariamente com os presos para tomar nota de suas queixas, que estas são tramitadas com brevidade e que ocasionalmente o Superintendente recebe as queixas dos presos e adota medidas corretivas. Quanto às condições médicas, o Estado afirma que a penitenciária do distrito de St. Catherine conta com um centro médico dotado de dois médicos, um de medicina geral e um psiquiatra, e que o médico geral atende no centro diariamente, estando a disposição quando não está em serviço.

127.     Tendo em vista os antecedentes, a Comissão enfrenta versões contraditórias sobre as condições de detenção do Sr. Thomas. Portanto, a Comissão deve determinar que caracterização é mais confiável e então qual deve ser aceita como correta. A Comissão observa que os peticionários submeteram  a Comissão detalhes específicos relacionados com a situação pessoal do Sr. Thomas em sua detenção antes e depois de sua condenação, e que respaldaram essa informação com provas do Sr. Thomas. Em sua resposta, o Estado apresentou como prova as declarações gerais que não se referem especificamente à situação do Sr. Thomas, mas sim as circunstâncias gerais e específicas de outro preso em espera de execução, Neville Lewis.  O Estado procedeu desta foram, embora tenha proposto, nas suas observações, investigar as condições de detenção específicas do Sr. Thomas.

128.     Embora pareça que o Sr. Thomas esteja detido nas mesmas instalações que o Sr. Lewis, a Comissão não deve, como assinala o próprio Estado, adotar um critério generalizado perante a questão das condições carcerárias. Pelo contrário, a Comissão deve determinar as circunstâncias individuais de cada denúncia. Entretanto, no presente caso, o Estado não submeteu nenhuma prova que refute especificamente ou considere de alguma outra maneira o tratamento que recebeu o Sr. Thomas antes e depois do julgamento, mas aportou informação relativa as condições de detenção gerais e específicas de outro preso.

129.     Após ponderar esta informação que consta dos antecedentes do caso e tendo em vista a ausência de provas em contrário por parte do Estado relacionadas especificamente ao tratamento que recebeu o Sr. Thomas, a Comissão aceita como corretas as alegações dos peticionários sobre as condições de detenção do Sr. Thomas antes do julgamento e depois da condenação. De acordo com o Sr. Thomas, antes do julgamento foi detido numa cela com higiene inadequada, devido em parte à inexistência de vasos sanitários que funcionassem. Ademais, foi obrigado a dormir no piso e lhe deram alimentos de baixa qualidade. Desde sua condenação em outubro de 1996, as condições de detenção do Sr. Thomas incluíam o seguinte:

(a)   permanece encerrado em sua cela a espera da execução na penitenciária do distrito de St. Catherine durante 23 horas por dia;

(b)   não lhe foi dado um colchão ou outro material para dormir, e dorme num bloco de cimento;

(c)   não lhe foi dado produtos de higiene e deve usar um balde para suas necessidades fisiológicas;

(d)   sua cela não tem ventilação suficiente;

(e)   sua cela não tem luz elétrica;

(f)    não tem acesso a atenção médica ou psiquiátrica;

(g)   lhe dão alimentos inadequados;

(h)   não existe acesso a um mecanismo adequado para tramitar as denúncias dos presos.[46]

130.     A descrição que o Sr. Thomas faz de suas condições de detenção estão corroboradas por fontes de informação mais generalizadas em relação às condições de detenção na Jamaica enviada pelos peticionários, que inclui um relatório de abril de 1993 preparado por Americas Watch relativo a pena de morte, as condições carcerárias e a violência na Jamaica, e um relatório de dezembro de 1993, preparado pela Anistia Internacional que propõe uma investigação da morte e o maltrato dos presos na penitenciária do distrito de St. Catherine.  Os relatórios contêm informação sobre como o maltrato de presos por parte dos guardas e a inexistência de um mecanismo adequado para tramitar as queixas com respeito às condições e o tratamento nos centros de detenção na Jamaica. No relatório de Americas Watch de 1993, por exemplo, são formuladas as seguintes observações relacionadas às condições de detenção na Jamaica:

Relatórios anteriores da Americas Watch comprovaram que as prisões estão bastante inadequadas: "celas superlotadas, sujas e anti-higiênicas, infecção de insetos, luz insuficiente ou inexistente, ventilação insuficiente …".  Um grupo de trabalho ministerial de 1989 ficou "escandalizado pelas espantosas condições".

Infelizmente, não se pode informar sobre nenhuma melhora substancial. O orçamento de alimentação por preso é de cinquenta centavos por dia. A penitenciária do distrito de St. Catherine, que aloja a 1300 presos num espaço construído para 800, foi cenário de motins entre 1990 e 1992 devido às condições que em que se encontra. As condições sanitárias são penosas, devido às instalações sanitárias inadequadas e de eliminação de resíduos. As condições na  penitenciária geral são, em essência, similares. Estudos recentes reiteram as conclusões anteriores, de que a situação não melhorou.[47]

131.     A Comissão deve examinar, então, as condições de detenção do Sr. Thomas, à luz dos artigos 5(1) ou 5(2) da Convenção.  Depois de considerar detidamente a informação disponível, a Comissão chega a conclusão que as condições de detenção do Sr. Thomas, por um período prolongado de mais de 4 anos, no qual permaneceu detido antes da decisão emitidas nas apelações, não satisfazem as normas referentes a tratamento humano estabelecidas nos artigos 5(1) e 5(2) da Convenção.

132.     Antes de chegar a esta conclusão, a Comissão avaliou as condições do Sr. Thomas de conformidade com as decisões anteriores desta Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nas quais foi concluído que as condições de detenção similares violavam o artigo 5 da Convenção.[48] Em analogia a esses casos anteriores, os antecedentes do presente caso indicam que o Sr. Thomas foi recolhido em confinamento solitário à espera de execução em condições de higiene, ventilação e iluminação insuficientes. Além disso, os peticionários afirmam que o Sr. Thomas não pode sair da cela de forma muito frequente, e que não tem acesso a nenhum trabalho ou serviço educativo. A informação dos peticionários também indica que com frequência os presos são objeto de abusos por parte dos guardas da prisão. Estas observações, conjuntamente com o tempo que o Sr. Thomas leva detido, indicam que o tratamento que lhe subministrado não satisfaz as normas mínimas dos artigos 5(1) e 5(2) da Convenção. Como observou a Comissão em casos anteriores, estas normas são aplicadas independentemente da natureza do comportamento pelo qual a pessoa foi presa [49]  e independentemente do nível de desenvolvimento do Estado parte da Convenção.[50]

133.     Uma comparação das condições de detenção do Sr. Thomas com as normas internacionais para o tratamento de presos também sugere que seu tratamento não respeitou os requisitos mínimos de um tratamento humano. Em particular, as regras 10, 11, 12, 15, e 21 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos,[51] as quais a Comissão entende que são referências adequadas das normas internacionais mínimas para o tratamento humano de presos, prescrevem as seguintes normas básicas a respeito do alojamento, higiene, tratamento médico e exercício:

10.          Os locais destinados aos presos e especialmente a aqueles que se destinam ao  alojamento dos presos durante a noite, deverão satisfazer as exigências de higiene, tendo em conta o clima, particularmente no que concerne ao volume de ar, superfície mínima, iluminação, aquecimento e ventilação.

11.          Em todos os locais onde os presos tenham que viver ou trabalhar:

a)                   As janelas terão que ser suficientemente grandes para que o preso possa ler e trabalhar com a luz natural; e deverão estar dispostas de maneira que possa entrar ar fresco, haja ou não ventilação artificial;

b)                   A luz artificial terá que ser suficiente para que o preso possa ler e trabalhar sem prejudicar a sua visão.

12.          As instalações sanitárias deverão ser adequadas para que o preso possa satisfazer suas necessidades naturais no momento oportuno, de forma asseada e decente.

15.          Se exigirá dos presos asseio pessoal e para tal terão água e os artigos de asseio indispensáveis para sua saúde e limpeza.

21.          (1)            O preso que não tenha um trabalho ao ar livre deverá dispor, se o tempo lhe permite, de uma hora pelo menos por dia de exercício físico adequado ao ar livre.

(2)            Os presos jovens e outros cuja idade e condição física o permitam, receberão exercício, educação física e recreativa durante um período reservado. Para isto, terão ao seu dispor o terreno, as instalações e o equipamento necessário.

134.     De acordo com as alegações dos peticionários, é evidente que o Estado não satisfez essas normas mínimas de um tratamento adequado aos presos.  As condições de detenção descritas e o tempo prolongado em que permaneceu recluso o Sr. Thomas devido ao seu processo penal, não podem ser consideradas concordantes com o direito a um tratamento humano consagrado pelo artigo 5 da Convenção.[52]61

135.     Em consequência, a Comissão conclui que as condições de detenção a que foi submetido o Sr. Thomas não respeitam a sua integridade física, mental e moral, como requer o  artigo 5(1) da Convenção, e que todas as circunstâncias constituem um trato ou castigo desumano ou degradante contrário ao artigo 5 (2) da Convenção.  Portanto, a Comissão conclui que o Estado é responsável pela violação destas disposições da Convenção no que refere ao Sr. Thomas, em conjunção com as obrigações impostas ao Estado pelo artigo 1(1) desse instrumento.

136.     Os peticionários também sustentam que a execução na forca constitui um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante que transgride o artigo 5(2) da Convenção, e que, portanto, o enforcamento é incongruente com os requisitos do artigo 4(2) da Convenção que rege a aplicação da pena capital. Tendo em vista as suas conclusões expostas na parte IV.C.2 do presente relatório - que a sentença de morte contra o Sr. Thomas transgride os artigos 4, 5 e 8 da Convenção, o que torna ilegítima a posterior execução do mesmo - a Comissão não considera necessário determinar se o método de execução empregado na Jamaica constitui um castigo ou tratamento cruel, desumano ou degradante contrário ao artigo 5(2) da Convenção.

5.         Artigo 8 da Convenção - Direito a um julgamento imparcial

137.     Os peticionários alegam que o Estado é responsável pela violação do artigo 8 da Convenção devido à inexistência do reconhecimento policial depois da detenção do Sr. Thomas e as instruções dadas pelo juiz de primeira instância aos jurados durante o processo penal do Sr. Thomas.

138.     Em particular, os peticionários alegam que o juiz de primeira instância violou sua obrigação de imparcialidade ao instruir os jurados antes de suas deliberações, nos seguintes termos:

Como eu disse,a acusação tem que provar a morte do falecido. Pois bem, não creio que terão nenhum problema no sentido de que foi o acusado quem o matou, talvez a esta altura deva indicar o princípio que se conhece como intenção comum. Quando duas ou mais pessoas juntam-se para cometer um delito, cometer um crime e o delito é cometido, cada pessoa que toma parte ativa ou participa do delito é culpado do delito. Esse é um princípio amplo. De maneira que, se os senhores aceitam que duas pessoas participaram - esta é a causa da acusação - num roubo planejado, não importa qual dos dois é acusado do ato fatal. Se atuaram de comum acordo, os dois seriam culpados do crime, do delito. [grife nosso]

De acordo com os peticionários, somado ao fato de que a polícia não realizou o reconhecimento policial depois da detenção do Sr. Thomas, esta situação privou o mesmo do direito a presunção de inocência e, portanto, violou seu direito a um julgamento justo consagrado no artigo 8 da Convenção.

139.     Como resposta, o Estado afirma que, em geral, compete aos tribunais de apelações nacionais examinar a matéria quando se questiona a condução de um julgamento, incluída a revisão das instruções específicas do juiz de primeira instância aos jurados. O Estado assinala também, implicitamente, que o erro alegado pelos peticionários nesse caso, se provado verdadeiro, não poderia ser considerado manifestamente violatório da obrigação de imparcialidade dos juízes de primeira instância.  O Estado argumenta que, em consequência, seria inadequado que a Comissão decidisse sobre possíveis violações da Convenção quanto às instruções dadas pelo juiz ao jurado no caso do Sr. Thomas.

140.     Ao abordar esta questão, a Comissão reconhece o critério que articulou em casos anteriores, de que, em geral, compete as instâncias de apelação dos Estados partes, e não a Comissão, revisar a maneira em que se conduz um julgamento, a menos que resulte claro que a conduta do juiz foi arbitrária ou equivale a uma denegação de justiça, ou que o juiz tenha violado manifestamente sua obrigação de imparcialidade.[53] Entretanto, tendo em vista a avaliação dos antecedentes do presente caso de acordo com a jurisprudência, a Comissão considera que o juiz violou manifestamente sua obrigação de imparcialidade durante o julgamento do Sr. Thomas e, portanto, que a questão pode ser matéria de sua consideração. 

141.     A Comissão reconhece que a avaliação e conclusões sobre esta matéria diferem daquelas do Tribunal de Apelações da Jamaica.  No exame do caso do Sr. Thomas, o Tribunal de Apelações da Jamaica rejeitou a afirmação do Sr. Thomas de que o juiz de primeira instância “não foi de todo imparcial” ao instruir os jurados, como se indicou antes, nos seguintes termos: "não creio que terão nenhum problema no sentido de que foi o acusado quem o matou". De acordo com sua sentença, o Tribunal de Apelações conclui que as instruções do juiz de primeira instância anteriores e posteriores a frase impugnada eram corretas do ponto de vista do direito e reparavam o “deslize” denunciado pelo Sr. Thomas.  Sendo assim, o Tribunal de Apelações concluiu que:

a prova da testemunha de acusação foi direta e convincente e o resumo do ilustrado juiz de primeira instância foi justo, equilibrado e apresentado com claridade aos jurados. A defesa foi corretamente abordada. Não encontramos mérito no fundamento apresentado pelo apelante, motivo pelo qual se indefere a petição.[54]

142.     Contrário ao Tribunal de Apelações, porém, a tarefa da Comissão não é determinar se o juiz foi “imparcial” em sua instruções aos jurados, mas verificar se houve respeito estrito aos direitos do Sr. Thomas a ser julgado por um tribunal imparcial e que se presuma a sua inocência. Para essa determinação, a Comissão, conforme a sua  jurisprudência e o artigo 8 da Convenção, deve aplicar uma norma objetiva para decidir se o julgamento do Sr. Thomas esteve viciado por um razoável temor de parcialidade. E, como indicado antes, a Comissão deve conduzir essa revisão com o mais rigoroso nível de escrutínio, para garantir o estrito cumprimento do devido processo legal e das demais normas pertinentes estabelecidas pela Convenção Americana.  

143.     A este respeito, a Comissão observa que, entre os requisitos de um julgamento imparcial, de conformidade com o artigo 8 da Convenção, se encontra a imparcialidade de parte do tribunal e, no contexto de um processo penal, que se presuma a inocência do acusado até se provar a sua culpabilidade. Nos sistemas que empregam júris, estes requisitos são aplicados tanto aos juízes como aos jurados. A Comissão reconheceu previamente a este respeito que a norma internacional sobre a questão da “imparcialidade de juízes e jurados”, emprega uma prova objetiva baseada na “razoabilidade e a evidência de imparcialidade”.[55]  De acordo com esta norma, deve-se determinar que existe um perigo real de parcialidade que afete a fundamentação do júri ou jurados responsáveis.[56] Num caso anterior que envolvia os Estados Unidos, por exemplo, a Comissão abordou a hipótese em que um jurado que julgou o acusado naquele caso, denotava uma evidência razoável de parcialidade. Ainda que o demandante não tivesse obtido reparação perante os tribunais internos, a Comissão avaliou as circunstâncias do Sr. Andrews, de acordo com as disposições pertinentes da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e chegou a conclusão de que :

ao avaliar todos os fatos de forma objetiva e razoável, a evidência indica que o Sr. Andrews não teve um julgamento imparcial porque existiu uma evidência razoável de “parcialidade racial” de parte de alguns membros do jurado e a omissão do tribunal de primeira instância de voir dire ao jurado viciou o processo e deu lugar a sua condenação, sentença de morte e execução. Os antecedentes perante a Comissão refletem amplas evidências de “parcialidade racial”.[57]

A Corte Européia de Direitos Humanos examinou, de forma análoga, a imparcialidade objetiva de juízes e jurados nos julgamentos penais, no contexto do artigo 6 da Convenção Européia sobre Direitos Humanos.[58]

144.     Depois de examinar detalhadamente as alegações e a informação apresentada pelas partes nesta questão no presente caso, a Comissão considera que, examinados objetivamente, os comentários do juiz de primeira instância foram de um tom tal que, ainda que lidos conjuntamente com suas instruções desde o ponto de vista do direito, dão lugar a um perigo claro e real de parcialidade por parte do tribunal que julgou o Sr. Thomas, e comprometeu o seu direito à presunção de inocência e a ser julgado por um tribunal imparcial. Cabe interpretar as palavras do juiz de primeira instância no sentido de sugerir que ele havia chegado a uma conclusão sobre a responsabilidade do Sr. Thomas nas mortes pelas quais foi acusado. Ademais, os comentários foram fatos no curso do julgamento e antes que o jurado pronunciasse sua decisão final sobre a inocência ou culpabilidade do Sr. Thomas.  A Comissão também conclui que pode considerar-se que os comentários do juiz de primeira instância, sendo da autoridade judicial responsável da condução do julgamento em seu conjunto, influíram e tiveram efeito prejudicial nas deliberações dos jurados; com efeito, de sua mera leitura se desprende que levavam aos jurados a concluir que o Sr. Thomas era culpado das acusações que lhe foram imputadas.[59] Por último, o juiz de primeira instância não adotou medidas definidas para esclarecer seus comentários ou de alguma outra maneira negar claramente o risco de que suas palavras fossem interpretadas pelos jurados como pré-julgamento da culpabilidade do Sr. Thomas.  Na opinião da Comissão, as instruções gerais sobre a carga e a norma da prova não bastavam para este propósito, particularmente na medida em que essas instruções precederam da controvertida declaração do juiz de primeira instância. A este respeito, é fundamental o significado de manter a confiança do público e do acusado na imparcialidade do tribunal que decide um processo penal, mais ainda quando seu resultado determinar se o acusado irá viver ou morrer.

145.     Tendo em vista as circunstâncias e o escrutínio mais rigoroso aplicável nos casos de pena capital, a Comissão conclui que se violaram os artigos 8(1) e 8(2) da Convenção, conjuntamente com a violação do artigo 1(1) da mesma, em razão da maneira em que o juiz instruiu o júri no curso do julgamento do Sr. Thomas.

            146.     A Comissão também conclui a este respeito que deve entender-se que esta grave violação do devido processo legal afetou o processo penal do Sr. Thomas desde o começo de sua eficácia, motivo pelo qual invalida a condenação. Em consequência, a reparação apropriada nas circunstâncias do caso do Sr. Thomas passa por um novo julgamento, de acordo com o devido processo ou, se não for possível, sua liberação.[60]

 

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[14] Documentos Básicos em Matéria de Direitos Humanos no Sistema Interamericano, OEA/Ser.L.V/II.92 Doc. 31 rev.3 (3 de maio de 1996), pág. 53.

[15] Ver,  por analogia, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Méritos, Sentença de 29 de julho de 1988, Ser. C Nº 4, par. 59.

[16] Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Loayza Tamayo, Objeções Preliminares, Sentença de 31 de janeiro de 1996, Série C Nº 25, par. 40.

[17] Baptiste contra Granada, Relatório N° 38/00, Caso N° 11.743; McKenzie e outros contra Jamaica, Relatório N° 41/00, Relatório Anual da CIDH 1999, par. 918, pág. 967.

[18] Ver, por exemplo, o caso McKenzie e outros, supra, par. 169.

[19] Ver Santiago Marzioni contra Argentina, Relatório N° 39/96, Relatório Anual da CIDH 1996, pág. 76, par. 48-52.  Ver também Clifton Wright contra Jamaica, Caso N° 9260, Relatório Anual da CIDH 1987-88, pág. 154.

[20] Lei de delitos contra a pessoa, emendada pela Lei de delitos contra a pessoa e emendas de 1992 (13 de outubro de 1992) Nº 14.

[21] A Seção 2(5) da Lei define os distintos funcionários referidos na Seção 2(1) nos seguintes termos:

2(5) Nesta seção -

"funcionário correcional" tem o mesmo significado que na Lei de Correição;

"funcionário judicial " significa-

(a)      um juiz da Suprema Corte ou do Tribunal de Apelações, ou Presidente da Sala ou toda pessoa que esteja cumprindo as funções destes;

(b)      o chefe ou subchefe do  Registro da Suprema Corte, o Tribunal Fiscal ou o Tribunal de Apelações, ou toda pessoa que esteja cumprindo as funções destes;

(c)      um Juiz Residente ou toda pessoa que esteja cumprindo as funções deste;

(d)      uma pessoa empregada numa oficina judiciária que se encarregue do processamento de delitos, ou na Oficina do Diretor de Processos Públicos, ou que cumpra as funções em nome do Diretor de Processos Públicos;

"integrante das forças de segurança " significa um integrante de -

(a)      força  policial da Jamaica;

(b)      força de defesa da Jamaica, na medida que esse integrante tenha sido encarregado a ajudar a polícia;

(c       a força policial especial da ilha;

(d)      a polícia rural.

[22] Ademais, a Seção 3(1A) da Lei prescreve a pena de morte como castigo obrigatório para uma pessoa condenada por mais de um homicídio não punível com pena capital, na mesma ou em diferente ocasião, nos seguintes termos:

3 (1A) Sujeito ao disposto na subseção 5) da seção 3B, toda pessoa condenada por assassinato não punível com pena de morte, será sentenciada a morte se, anterior a essa condenação:

a)       antes ou depois de 14 de outubro de 1992, tenha sido condenada na Jamaica por outro assassinato cometido numa ocasião diferente, ou

b)       b) foi condenada por outro assassinato cometido numa ocasião diferente.

[23] Ver Caso McKenzie e outros, supra, par. 178.

[24] As seções 3(2) a 3(6) da Lei prescrevem um procedimento específico pelo qual o jurado deve determinar se uma acusada está grávida para efeitos da seção 3(1) da Lei:

3(2)       Quando se determine que uma condenação de uma pessoa por um delito punível com a morte está grávida, de acordo com as disposições da presente seção, a sentença a ser imposta é a de prisão perpétua com ou sem  trabalhos forçados, em lugar da sentença de morte.

(3)        Quando uma condenação de uma pessoa por delito punível com a morte alegue que está grávida, ou quando o tribunal que a condenou o considere conveniente, a questão da determinação da gravidez ou não será determinada por um jurado antes de pronunciada a sentença.

(4)        Sujeito às disposições da presente subseção, referido jurado será o jurado do julgamento, isto é, o jurado ao qual se encomendou julgá-la pelo delito, e os membros do júri não terão que voltar a prestar juramento:

Exceto que -

(a)         se, depois da condenação, um membro do júri falece ou é exonerado pelo tribunal por incapacidade ou por qualquer outra causa, a deliberação para determinar a gravidez ou não da mulher continuará sem esse membro, e

(b)         quando não haja júri, ou quando o júri não se ponha de acordo sobre a gravidez ou não da mulher, ou haja sido exonerado pelo tribunal sem dar um veredicto sobre essa questão, o júri será constituído para julgar se a mulher era apta para alegar em sua defesa, e prestará juramento conforme determine o  tribunal.

(5)        O júri dará um veredicto sobre a gravidez ou não da mulher com base nas provas que possa aportar a mulher ou a Coroa, se o júri determinará que a mulher não está grávida, a menos que fique provado afirmativamente, a satisfação do júri, que está grávida.

(6)        Ao proceder conforme esta seção e o júri concluir que a mulher em questão não está grávida, a mulher poderá apelar sob o amparo da Lei da Judicatura (em instância de apelação) perante o Tribunal de apelações, o qual, se manifesta por alguma razão que este está indeferido, revogará a sentença imposta à mulher e aplicará em seu lugar uma sentença de prisão perpétua com ou sem trabalhos forçados:

            De qualquer forma, a aplicação das disposições da presente subseção deverá ser congruente com a aplicação da Lei da Judicatura (instância de apelação).

[25]  O artigo 4 da Convenção  - Direito à vida:

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser  protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta  pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido  cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.

3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.

4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delitos comuns conexos com delitos políticos.

5. Não se deve impor a pena de morte à pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.

6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.

[26] Artigo 5 da Convenção. Direito à integridade pessoal:

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à  dignidade inerente ao ser humano.

3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente.

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e serem submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.           

[27] O artigo 8(1) da Convenção dispõe: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para  que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de  qualquer outra natureza.”

[28] Ver, por exemplo, Convenção, artigo 29 (onde se estabelece que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo e o exercício de qualquer direito ou liberdade que possa estar reconhecido pelas leis de qualquer dos Estados partes ou pela Convenção em que seja parte um dos referidos Estados, nem excluir ou limitar o efeito que possam ter a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e  outros atos internacionais da mesma natureza).

[29] Caso McKenzie e outros, supra, par. 186-187, que cita a Opinião Consultiva OC-3/83 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, 8 de setembro de 1983, Restrições a Pena de Morte (Arts. 4(2) e 4(4) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Relatório Anual 1984, pág. 31, par. 52 (onde se conclui que o texto do artigo 4 da Convenção em seu conjunto revela uma clara tendência a restringir o alcance da pena de morte tanto na sua imposição como na sua aplicação); Anthony McLeod contra Jamaica, Comunicação Nº 734/1997, ONU Doc.  CCPR/C/62/734/1997.  Ver, de forma análoga, Caso Baptiste, supra, pars. 74 e 75.

[30] Caso McKenzie e outros, supra, par. 188, que cita, entre outros, a Woodson contra Carolina do Norte 49 L Ed 2d 944, 961 (onde se chega a conlusão de que a pena de morte é qualitativamente diferente de uma sentença de reclusão, por prolongada que esta seja.  A morte, em sua finalidade, difere mais da cadeia perpétua que uma condenação de 100 anos de prisão de somente um ano ou dois de prisão.  Dada esta diferença qualitativa, existe uma diferença na necessidade de confiabilidade na decisão da morte como castigo apropriado em cada caso específico).

[31] Ibid, par. 189, que cita a Opinião Consultiva OC-3/83, supra, par. 55 (em que se observa, a respeito do artigo 4 da Convenção que "pode considerar-se que existem três tipos de limitações aplicáveis aos Estados partes que não aboliram a pena de morte.  Primeiro, a imposição ou aplicação desta sanção está sujeita a certos requisitos processuais cujo cumprimento deve ser observado e revisado estritamente.  Segundo, a aplicação da pena de morte deve limitar-se aos delitos comuns mais graves não relacionados com delitos políticos.  Por último, deve ter-se em conta certas considerações que envolvem a pessoa do acusado, que poderiam impedir a imposição ou aplicação da pena de morte)”.

[32] Ibid, pars. 193-207.  Ver, de foram análoga,  Caso Baptiste, supra, pars. 80-94.

[33] Comitê de Direitos Humanos da ONU, Evers Lei Thompson contra St. Vincent e as Granadinas, Comunicação N° 806/1998 (18 de outubro de 2000).

[34] Caso McKenzie e outros, supra, par. 207

[35] Caso McKenzie e outros, supra, pars. 208, 212-219, que cita Woodson contra Carolina do Norte 49 L Ed 2d 944 (U.S.S.CONTRA); O Estado contra Makwanyane e McHunu, Sentença, Caso N° CCT/3/94 (6 de junho de 1995) (Tribunal Constitucional da República da África do Sul); Bachan Singh contra Estado de Punjab (1980) 2 S.CONTRA 475 (Corte Suprema da Índia). Ver também Caso Baptiste, supra.

[36] Caso McKenzie e  outros, supra, par. 210.

[37] Ver, de forma análoga, o  caso McKenzie e outros, supra, par. 234; caso Baptiste, supra, par. 127

[38] Ver, de forma análoga, o Caso McKenzie e outros, supra, par. 235; Caso Baptiste, supra, par. 128.

[39] Ver, de forma análoga, o caso McKenzie e outros, supra, par. 237; caso Baptiste, supra, par. 130.

[40] Constituição da Jamaica, Ordem do Conselho de 1962, Segundo Anexo, Seções 90, 91.

[41] Caso McKenzie e outros, supra, pars. 227-232.

[42] Ibid, par. 228.

[43] Ibid. A Comissão entende que o direito a solicitar anistia, o indulto ou a comutação da sentença previsto no artigo 4(6) da Convenção pode ser considerado similar ao direito consagrado no artigo XXVII da Declaração Americana, conforme o qual toda pessoa pode "procurar e receber" asilo em um território estrangeiro, de conformidade com as Leis de cada país e com os acordos internacionais, que a Comissão vem interpretando conjuntamente com a Convenção de 1951 relativa a condição de refugiado e o  Protocolo de 1967 relativo à  condição de refugiado, dá lugar, em virtude  do direito internacional, ao direito da pessoa que busca refúgio tenha uma audiência para determinar se está qualificada para obter a condição de refugiado.  Ver Haitian Center for Human Rights e outros contra Estados Unidos, Caso N° 10.675 (13 de março de 1997), Relatório Anual da CIDH 1996, par. 155.  A Comissão também observou que algumas jurisdições do direito comum que mantêm a pena de morte estabeleceram procedimentos através dos quais os condenados podem iniciar e participar do processo de anistia, indulto ou comutação da sentença.  Ver Constituição de Ohio, Art. III, s.2, Ohio Revised Code Ann., s. 2967.07 (1993).  Ver também a Autoridade que concede a Liberdade Condicional em  Ohio contra Woodward, Court File N° 96-1769 (25 de março de 1998) (U.S.S.C.)

[44] Neville Lewis e outros contra o Procurador-Geral da Jamaica e Superintendente da Penitenciária do Distrito de St. Catherine, Apelações perante o Conselho Privado Nos. 60 de 1999, 65 de 1999, 69 de 1999 e 10 de 2000 (12 de setembro de 2000) (J.C.P.C.), pág. 23.

[45] Ibid, 23 e 24.

[46] Declaração de Joseph Thomas, pars. 14-22.

[47] Americas Watch, Human Rights in Jamaica: Death Penalty, Prison Conditions and Police Violence, News from Americas Watch, abril de 1993, Vol. 5, Nº 3, p. 3.

[48] Na sentença sobre o mérito do Caso Suárez Rosero, por exemplo, a Corte Interamericana concluiu que o tratamento da vítima, que havia sido mantida incomunicável por mais de um mês, numa cela úmida e quase sem ventilação, que media cinco por três metros, junto com outras dezesseis pessoas, sem higiene necessária, constituía um tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante contrário ao artigo 5(2) da Convenção. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Suárez Rosero, Sentença, 12 de novembro de 1997, Relatório Anual 1997, pág. 283. Ver, por analogia, o Caso McKenzie e outros, supra, pars. 270-291.

[49] Ver, por exemplo, Caso McKenzie e outros, supra, par. 288, onde cita a Corte Européia de Direitos Humanos, Ahmed contra Áustria, Sentença de 17 de dezembro de 1996, Reports of Judgments and Decisions 1996-VI, pág. 220, par. 38.

[50] Ibid., citando U.N.H.R.C, Mukong contra Cameroon, Comunicação Nº 458/1991, U.N. Doc. Nº CCPR/C/51/D/458/1991 (1994), par. 9.3 (onde se observa que certas regras mínimas que regem as condições de detenção de presos, estabelecidas pelo  Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e refletidas nas Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos, devem ser cumpridas independentemente do nível de desenvolvimento do Estado parte).

[51] Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos, aprovadas em 30 de agosto de 1955 pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinquente, U.N. Doc. A/CONF/611, anexo I, E.S.C. res. 663C, 24 U.N. ESCOR Supp. (Nº 1) at 11, U.N. Doc. E/3048 (1957), emenda E.S.C. Res. 2076, 62 U.N. ESCOR Supp. (Nº 1) em 35, U.N. Doc E/5988 (1977).

[52] Ver, por analogia, Comissão Européia para a Prevenção da Tortura, Tratamento ou Castigo Desumano ou Degradante (CPT), Segundo Relatório Geral sobre as Atividades do CPT que abarcam o período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1991, Ref. CPPT/Inf. (92) 3 (13 de abril de 1992), pars. 44-50 (onde se critica as condições carcerárias de superlotação, ausência de pelo menos uma hora de exercício ao ar livre todos os dias para os presos, e a prática de que os presos façam suas necessidades num balde, onde se declara que o Comitê está “particularmente preocupado ao comprovar uma combinação de hacinamiento, atividades insuficientes e acesso inadequado a serviços higiênicos no mesmo estabelecimento.  O efeito cumulativo destas condições pode ser sumamente prejudicial para os presos”.

[53] Ver, por exemplo., Caso McKenzie e outros, supra, par. 298.

[54] R. contra Joseph Thomas, Apelação Penal No.126/96, Suprema Corte, Sentença do Tribunal de Apelações da Jamaica, 17 de dezembro de 1997.

[55] William Andrews contra Estados Unidos, Relatório Nº 11.139, RELATÓRIO ANUAL DA CIDH 1997, par. 159, que cita a  Corte Européia de Direitos Humanos, Piersack contra Belgium, 5 H.R.R. 169 (1982); Corte Européia de Direitos Humanos, Gregory contra Reino Unido, 16 H.R.L.J. 238 (1995).

[56] Ibid, fn 96.

[57] Ibid., par. 165.

[58] Ver, por exemplo., Corte Européia de Direitos Humanos, Remli contra Francia, Sentença (Méritos e reparação justa), 23 de abril de 1996, R.J.D. 1996-11, Nº 8, pars. 43-48.

[59]No caso de Gregory contra Reino Unido, supra, a Corte Européia de Direitos Humanos reconheceu a influência das instruções do juiz ao júri. Nesse caso, o jurado enviou uma nota durante suas deliberações, onde perguntava se “um membro do júri podia ser eximido por ter percebido parcialidade racial”. Em resposta, o juiz consultou a um assessor e dirigiu-se ao jurado no tocante a sua obrigação de decidir o caso sem pré-julgamento e de acordo com as provas. A Corte Européia concluiu que uma instrução firme e clara de parte de um juiz experimentado bastava para dissipar as dúvidas sobre a imparcialidade do jurado.

[60] Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos, Castillo Petruzzi e outros, Sentença de 30 de maio de 1999, par. 219 (que conclui que, em circunstâncias em que os atos nos quais se baseia a sentença estão afetados por vícios sérios que lhes tiram a eficácia que normalmente devem ter, a sentença não deve subsistir, pois careceria de seu apoio vital: um processo conduzido de acordo com o direito. Sabe-se que a instituição da reposição do procedimento causa a invalidez de certos atos e a repetição das etapas processuais  a partir de aquela em que se produziu pela primeira vez  a violação que causou a invalidez. Isto pode requerer o pronunciamento de nova sentença. A invalidez do processo condiciona a validez da sentença).