RELATÓRIO Nº 127/01

CASO Nº 12.183

JOSEPH THOMAS

JAMAICA

3 de dezembro de 2001

I.          RESUMO

1.         O presente relatório refere-se a uma petição interposta perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Comissão”) em 21 de junho de 1999, pelo escritório de advocacia Campbell Chambers (doravante denominado “os peticionários”), contra o Estado da Jamaica (doravante denominado "Jamaica" ou “o Estado ").  A petição foi apresentada em nome de Joseph Thomas, preso à espera de execução na penitenciária do distrito de St. Catherine, e alega a violação dos artigos 4, 5 e 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada “a Convenção”) em relação com o processo penal contra o Sr. Thomas.  Este relatório faz uma análise da admissibilidade da petição conforme os artigos 46 e 47 e o mérito da mesma.

            2.         Joseph Thomas foi condenado e sentenciado a morte por enforcamento  em 11 de outubro de 1996 por homicídio punível com pena capital em virtude da Seção 3(1) da Lei de delitos contra a pessoa de 1864 da Jamaica, emendada pela Lei de delitos contra a pessoa (e emendas) de 1992 (doravante denominada “a Lei”).  A Lei distingue entre as categorias de homicídio punível com pena capital e homicídio não punível com pena capital.[1]  Além disso, a seção 3(1) da Lei prescreve pena de morte como único castigo para as pessoas condenadas por homicídio punível com pena capital.[2]

            3.         Os peticionários alegam que o Estado violou os direitos do Sr. Thomas amparados na Convenção Americana por cada uma das seguintes razões, a seguir detalhadas na Parte III.A  do presente relatório:

(a)         a violação dos artigos 4(1), 4(2), e 5 da Convenção em relação com o caráter obrigatório da pena de morte imposta ao Sr. Thomas;

(b)           a violação do artigo 4(6) da Convenção em relação ao processo a que teve acesso o Sr. Thomas para buscar anistia, indulto ou a comutação da sentença na Jamaica;

(c)            a violação do artigo 5 da Convenção em relação às condições de detenção do Sr. Thomas e o método de execução na Jamaica;

(d)           a violação do artigo 8 da Convenção em relação à ausência de reconhecimento policial depois da detenção do Sr. Thomas e as instruções ordenadas pelo juiz de primeira instância aos jurados durante o julgamento do Sr. Thomas.

4.         A Comissão não havia determinado previamente a admissibilidade do caso do Sr. Thomas conforme os artigos 46 e 47 da Convenção. Após considerar a matéria, a Comissão decide declarar admissíveis as denúncias apresentadas em nome do Sr. Thomas.

5.         Após analisar o mérito da denúncia do Sr. Thomas, a Comissão chegou as seguintes conclusões:

(a)           O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 4(1), 5(1), 5(2) e 8(1) da Convenção, conjuntamente com a violação dos artigos 1(1) e 2 da mesma, por sentenciá-lo a uma pena de morte obrigatória.

(b)           O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 4(6) da Convenção, conjuntamente com a violação dos artigos 1(1) e 2 da mesma, por não lhe outorgar um direito efetivo a solicitar a anistia, o indulto ou a comutação da sentença.

(c)           O Estado é responsável da violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 5(1) e 5(2) da Convenção, conjuntamente com a violação do artigo 1(1) da mesma, em razão das condições de detenção a que foi submetido.

(d)           O Estado é responsável pela violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados nos artigos 8(1) e 8(2) da Convenção, conjuntamente com a violação do artigo 1(1) da mesma, em razão das instruções ordenadas pelo juiz aos jurados durante o julgamento do Sr. Thomas.

           II.         TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO

A.         Petição e observações

6.         Depois de receber a petição do Sr. Thomas em 21 de junho de 1999, a Comissão iniciou o Caso Nº 12.183, e em 22 de junho de 1999 remeteu ao Estado as partes pertinentes da petição, solicitando-lhe informação a respeito da comunicação dentro de 90 dias, segundo o estabelecido pelo Regulamento da Comissão.

7.         O Estado submeteu informação sobre a petição do Sr. Thomas por nota datada de 16 de setembro de 1999, recebida pela Comissão em 20 de setembro de 1999. Em 22 de setembro de 1999, a Comissão remeteu aos peticionários as partes pertinentes das observações do Estado, solicitando-lhes uma resposta dentro dos 30 dias.  Através de uma  comunicação de 16 de agosto de 2000, a Comissão reiterou seu pedido de informação aos peticionários.

8.         Os peticionários enviaram uma resposta às observações do Estado sobre a petição do Sr. Thomas por nota de 22 de agosto de 2000, recebida pela Comissão na mesma data. Em 24 de agosto de 2000, a Comissão remeteu ao Estado as partes pertinentes das observações dos peticionários, solicitando-lhe uma resposta dentro dos 30 dias. Em 12 de janeiro de 2001, a Comissão reiterou ao Estado seu pedido de informação sobre as observações dos peticionários.

9.         O Estado remeteu uma resposta às observações dos peticionários de 22 de agosto de 2000 através de nota datada de 21 de fevereiro de 2001 e recebida pela Comissão nessa data. Em 22 de fevereiro de 2001, a Comissão remeteu as partes pertinentes da resposta do Estado aos peticionários, solicitando-lhes informação pertinente antes de 2 de março de 2001.

10.       A Comissão não recebeu nenhuma observação dos peticionários sobre a resposta do Estado de 21 de fevereiro de 2001 dentro do prazo especificado.

B.        Medidas cautelares

11.       Juntamente com a transmissão das partes pertinentes da petição ao Estado, a Comissão solicitou, em virtude do artigo 29(2) de seu Regulamento, que o Estado adotasse medidas cautelares para suspender a execução do Sr. Thomas até que tivesse a oportunidade de examinar seu caso e para que não houvesse a ameaça do dano irreparável. Esta solicitação foi feita porque se o Estado executasse o Sr. Thomas antes que a Comissão tivesse a oportunidade de examinar seu caso, a eventual decisão seria nula com relação aos recursos disponíveis e o  Sr. Thomas sofreria um dano irreparável .

C.        Solução amistosa

12.       Através de comunicação de 12 de fevereiro de 2001 aos peticionários e ao Estado, a Comissão colocou-se à disposição das partes a fim de buscar uma solução amistosa conforme determina o artigo 48(1)(f) da Convenção, com base no respeito aos direitos humanos nela reconhecidos. A Comissão também pediu às partes que respondessem a sua oferta no prazo de sete dias a partir do recebimento da comunicação, caso contrário continuaria considerando a matéria.

13.       Por nota datada de 16 de fevereiro de 2001, o Estado indicou que, na sua opinião, não havia questões pendentes que requeressem um processo de solução amistosa, e instou a Comissão a continuar com a consideração do caso para então se pronunciar no momento oportuno. Tendo em vista a posição do Estado, a Comissão entendeu que não era viável uma solução amistosa no caso.

III.        POSIÇÃO DAS PARTES

A.         Posição dos peticionários

1.         Antecedentes do caso

14.       Segundo consta dos antecedentes deste caso, Joseph Thomas foi detido e acusado de homicídio de Arthur McFarlane e Junior Spencer em 31 de janeiro de 1995.  A indagatória preliminar foi realizada em 8 de novembro de 1995, e o Sr. Thomas foi posteriormente julgado por homicídio em outubro de 1996.  Em 11 de outubro de 1996, o Sr. Thomas foi condenado pelos delitos de homicídio punível com pena capital e sentenciado à morte por enforcamento. A sentença foi apelada perante o Tribunal de Apelações da Jamaica, mas sua apelação foi indeferida em 17 de dezembro de 1997.  Em Sr. Thomas interpôs uma petição de autorização especial para apelar como indigente perante o Comitê Judicial do Conselho Privado, instância que rejeitou sua petição em 15 de abril de 1999.

15.       A acusação alegou que na tarde de 29 de maio de 1993, o Sr. Thomas havia sido um dos pistoleiros que haviam ingressado e roubado no local de 41 Killarney Avenue, St. Andrew, Jamaica, no curso do qual haviam resultado mortos o Sr. McFarlane e o Sr. Spencer. A acusação baseou-se em parte no depoimento de William Spencer e Rohan Spencer, que declararam que se encontravam no lugar no momento do incidente e identificaram o Sr. Thomas como um dos pistoleiros.  Testemunhas policiais confirmaram durante o julgamento que não tinha sido realizado o reconhecimento policial depois da detenção do Sr. Thomas.

16.       Em sua defesa, o Sr. Thomas prestou uma declaração juramentada de que seu nome era Clive Stewart, e não "Joe", Joseph" ou "Joseph Thomas" como afirmavam algumas testemunhas de acusação.  Afirmou também que somente soube do incidente de maio de 1993 em 26 de dezembro  de 1994, quando foi preso pelo Inspetor Aires do Grupo de Tarefa Especial Anticrime.  Nessa ocasião, o Sr. Thomas denunciou ter sido detido durante três dias no centro de detenção preventiva até sua liberação. Informou que voltou a ser detido nove dias depois, em 7 de janeiro de 1995, e que foi mantido sob custódia na sede do Grupo de Tarefa Especial Anticrime, em Ruthren Road.  O Sr. Thomas também declarou que, quando estava detido, lhe retiraram seus bens pessoais, incluindo fotografias e anotações. Denunciou que discutiu com o Sargento Payne acerca do reconhecimento policial, mas este não foi realizado.  Ademais, o Sr. Thomas negou conhecer ou sequer ter falado com as testemunhas de acusação William Spencer e Rohan Spencer.

17.       Em representação do Sr. Thomas, os peticionários alegam violações dos artigos da Convenção a saber: (a) artigos 4(1), 4(2),  5 da Convenção, em relação com o caráter obrigatório da pena de morte imposta contra ele; (b) artigo 4(6) da Convenção, em relação com o processo a que teve acesso o Sr. Thomas para buscar anistia, indulto ou comutação da sentença na Jamaica; (c) artigo 5 da Convenção, em relação às condições de detenção do Sr. Thomas e o método de execução na Jamaica; e (d) a violação do artigo 8 da Convenção, em relação com a ausência de reconhecimento policial depois da detenção do Sr. Thomas e as instruções do juiz de primeira instância aos jurados durante seu processo penal.

2.         Posição dos peticionários sobre a admissibilidade

18.       Os peticionários argumentam que sua petição é admissível em virtude dos artigos 46 e 47 da Convenção Americana.

19.       Os peticionários sustentam, primeiro, que o Sr. Thomas esgotou os recursos internos disponíveis, como exige o artigo 46(1)(a) da Convenção.  Afirmam que o Sr. Thomas apelou sem êxito de sua condenação perante o Tribunal de Apelações da Jamaica, e buscou autorização especial para apelar como indigente perante o Comitê Judicial do Conselho Privado - instância máxima da Jamaica - pedido que foi indeferido em 15 de abril de 1999.

20.       Além disso, os peticionários indicam que o Sr. Thomas não iniciou uma ação constitucional perante a justiça da Jamaica porque é indigente e não existe assistência jurídica para ações dessa natureza. Em consequência, os peticionários argumentam que foi negado ao  Sr. Thomas o acesso a esse recurso e lhe impediu de esgotar os recursos internos, como  dispõe o artigo 46(2)(b) da Convenção.  Para respaldar a sua posição, os peticionários basearam-se nas decisões do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, as quais rejeitam o argumento do Estado a respeito da necessidade de recorrer à via constitucional para esgotar os recursos internos.[3]

21.       Os peticionários também indicaram que, com respeito à impugnação da pena de morte obrigatória na Jamaica, as seções 17 e 26 da Constituição desse país estão redigidas de maneira a dar imunidade contra impugnação a Leis e castigos que eram legais antes da independência, incluindo a pena de morte obrigatória.[4] Portanto, de acordo com os  peticionários, não é possível argumentar perante o nenhum tribunal que a pena de morte é inconstitucional por seu caráter obrigatório ou por ser cruel, a não ser que a maneira de sua execução fosse ilegal antes da independência.

22.       De acordo com os peticionários, a matéria do caso do Sr. Thomas não foi  objeto de exame perante nenhuma outra instância internacional de investigação ou solução.

3.         Posição dos peticionários sobre os méritos

a.         Artigos 4 e 5 da Convenção – Caráter obrigatório da pena de morte

23.       Os peticionários alegam que o Estado transgrediu os artigos 4(1), 4(2), e 5(2) da Convenção Americana ao sentenciar o Sr. Thomas a uma pena de morte obrigatória pelo delito de homicídio punível com pena capital. Em particular, os peticionários argumentam que a imposição da pena de morte no caso do Sr. Thomas viola a Convenção porque não está reservada para os delitos mais graves, como exige o artigo 4(2) da Convenção, e porque executar uma pessoa num julgamento sem sentença individual viola seus direitos consagrados no artigo 5(2) da Convenção.

24.       Ao formular estes argumentos, os peticionários apontam que, ainda que a Convenção não proíba a pena de morte, as condições que regem sua aplicação devem ser aplicadas estritamente aos países que a utilizam, de maneira a oferecer maior proteção possível ao condenado.

            25.       Os peticionários argumentam que o requisito disposto no artigo 4(2) da Convenção, de que a pena de morte somente pode ser imposta em casos de delitos mais graves, deve ser interpretada no sentido de que compreende os elementos de um delito penal e, em particular, que é necessário considerar todos os fatores do delito, incluindo aqueles referentes a cada delinqüente.

26.       Os peticionários sustentam que, no senso comum, se pode dizer que um homicídio de um guarda penitenciário é mais grave e sempre será mais grave que de uma criança, por exemplo. Sendo assim, segundo os peticionários, a pena de morte obrigatória produz resultados arbitrários contrários ao artigo 4(1) da Convenção, pois não existe mecanismo algum que permita tratar igual os casos iguais e distinguir entre os casos diferentes.

27.      Os peticionários argumentam que a pena de morte obrigatória viola a proibição contra castigo ou tratamento cruel e desumano estabelecida pelo artigo 5 da Convenção e sugerem a este respeito que as normas em que se funda o artigo da Convenção exigem a consideração do caráter e os antecedentes de cada delinqüente e as circunstâncias de cada delito, como parte indispensável do processo de aplicação da pena de morte.

28.       Com a finalidade de respaldar a sua posição de que a pena de morte obrigatória por homicídio punível com pena capital transgride a Convenção Americana, os peticionários  referem-se a decisões das mais altas instâncias judiciais de vários países de direito comum, incluídos Estados Unidos[5] e Índia,[6] que mantêm a pena de morte. De acordo com os peticionários, essas autoridades respaldam o postulado de que os Estados que desejam manter a pena de morte tem que estabelecer certa forma de individualização das sentenças que permita que os acusados apresentem fatores atenuantes relacionados com as circunstâncias particulares do caso e com suas características pessoais ao determinar se a pena de morte é um castigo adequado.  Também sugerem que a sentença de morte somente  deve ser imposta nos casos mais excepcionais em que não existam perspectivas razoáveis de reforma e o objeto do castigo não pode ser alcançado mediante nenhuma outra sentença.

29.       Os peticionários argumentam, portanto, que a sentença de morte imposta ao  Sr. Thomas é cruel, desumana e degradante, e um castigo arbitrário e desproporcionado, que não tem justificação para privar a alguém da vida, motivo pelo qual constitui uma violação dos artigos 4 e 5 da Convenção.

30.       Em resposta as observações do Estado de 16 de setembro de 1999 a respeito do caráter obrigatório da pena de morte, os peticionários sustentam que os casos de Pratt contra o Procurador Geral da Jamaica e Jones contra o Procurador Geral do Commonwealth de Bahamas citados pelo Estado não abordam o argumento dos peticionários em relação ao caráter obrigatório da pena de morte, pois esses casos tem relação a constituições nacionais que não contém disposição alguma similar a do artigo 4(2) da Convenção. Os peticionários alegam que o artigo 4(2) da Convenção dispõe que a pena de morte somente é legal, de acordo com a Convenção, se cumpre às condições do mencionado artigo, e compete ao governo que trata de justificar uma sentença de morte determinar que foram satisfeitas todas essas condições.

            b.         Artigo 4(6) da Convenção – Prerrogativa de clemência

31.       Os peticionários argumentam que foi violado o direito do Sr. Thomas consagrado no artigo 4(6) da Convenção referente `a solicitação de clemência, já que não teve  direito a um julgamento imparcial perante o Conselho Privado da Jamaica. A este respeito, os peticionários explicam que a faculdade do executivo da Jamaica de comutar as sentenças de morte mediante o exercício da prerrogativa de clemência está regida pelas seções 90 e 91 da Constituição desse país. De acordo com os peticionários, o Governador Geral da Jamaica está facultado para comutar as sentenças de morte conforme disposto na seção 90(1) da Constituição, mas deve atuar de acordo com o assessoramento e a recomendação do Conselho Privado da Jamaica, de conformidade com a seção 90(2) da Constituição.[7]

32.       Os peticionários afirmam na petição de 21 de junho de 1999 que, de acordo com a legislação interna da Jamaica, os presos não têm direito a uma audiência imparcial perante o Conselho Privado e alegam que este tem liberdade para regular seus próprios procedimentos, razão pela qual não tem a obrigação de outorgar ao preso uma audiência imparcial, nem está obrigado a oferecer proteção processual alguma para o preso, como o direito a apresentar argumentos orais ou escritos ou direito a submeter o material em que se baseia o Conselho Privado para suas decisões. Os peticionários afirmam também que as funções do Conselho Privado da Jamaica, de acordo com as seções 90 e 91 da Constituição, não estão sujeitas à supervisão ou controle judicial.

33.       A respeito, os peticionários citam as decisões do Comitê Judicial do Conselho Privado nos casos Reckley c. el Ministro de Segurança Pública (Nº 2) [1996] 2 W.L.R. 281 e de Freitas contra Benny [1976] A.CONTRA, nos quais se postula que o exercício do indulto comporta um ato de clemência que não está sujeito a direitos legais, e portanto, não está sujeito à revisão judicial, e observam que estas decisões foram muito criticadas por uma série de distinguidos juristas.

34.       Neste contexto, os peticionários sustenta que o direito a solicitar clemência em virtude do artigo 4(6) da Convenção deve ser interpretado como direito efetivo, o que, a sua vez, exige que o Estado outorgue ao condenado certos direitos processuais, incluído o direito a ser notificado do período em que o Conselho Privado da Jamaica consideraria o seu caso, o direito a que lhe proporcione o material sob vista do Conselho e o direito a apresentar escritos e formular declarações antes da audiência. Os peticionários também sustentam que os presos  condenados devem ter o direito a uma audiência oral perante o Conselho Privado e que este considere as decisões e recomendações dos órgãos internacionais de direitos humanos.  Segundo os peticionários, estes requisitos derivam do próprio texto do artigo 4(6) da Convenção e são congruentes com o requisito do artigo 4(2) que estabelece que a pena de morte “somente  poderá ser imposta para delitos mais graves."

35.       Com base nesses argumentos, os peticionários afirmam que, devido à legislação interna da Jamaica, foi violado o direito do Sr. Thomas a pedir clemência, consagrado no artigo 4(6) da Convenção.

36.       Em resposta as observações do Estado de 16 de setembro de 1999 sobre a prerrogativa de clemência, os peticionários assinalam que a última instância de apelação do Sr. Thomas perante a justiça interna foi indeferida pelo Comitê Judicial do Conselho Privado em 15 de abril de 1999, e que em maio de 1999, antes que fosse possível que o Sr. Thomas fosse notificado da decisão, foi firmada uma ordem de execução. Em consequência, afirmam que o Sr. Thomas se viu impedido de apresentar argumentos perante o Conselho Privado da Jamaica e que este não lhe proporcionou informação alguma da data em que referido  Conselho examinaria o seu caso.

c.         Artigo 5 da Convenção – Condições de detenção e método de execução

(i)         Condições de detenção

37.       Os peticionários alegam que as condições em que foi detido o Sr. Thomas violam os direitos que lhe outorga o artigo 5 da Convenção a não ser submetido a uma pena ou trato cruel, desumano ou degradante. Em seus escritos, os peticionários aportam informação sobre as condições gerais dos estabelecimentos penitenciários da Jamaica, bem como informação em relação com as condições particulares de detenção que experimentou o  Sr. Thomas.

(a)        Alegações de fato em relação às condições de detenção

38.       Com respeito às condições de detenção nos estabelecimentos penitenciários da Jamaica, os peticionários referem-se a relatórios preparados por diversas organizações governamentais e não governamentais referentes às condições carcerárias no país: Americas Watch: Prison Conditions in Jamaica (1990); Jamaica Prison Ombudsman: Prison and Lock Ups (1983); Americas Watch: Death Penalty, Prison Conditions and Prison Violence (1993); Jamaica Council for Human Rights: A Report on the Role of the Parliamentary Ombudsman in Jamaica (Verão de 1994); e Anistia Internacional: Proposal for an Inquiry into Death and Ill-treatment of Prisoners in St. Catherine's District Prison (1993).  Estes contêm informação sobre as condições físicas das prisões e os prisioneiros, o tratamento que os funcionários dos estabelecimentos oferecem aos prisioneiros e das condições dos serviços e programas médicos, educativos e laborais de diversos estabelecimentos penitenciários da Jamaica.

39.       De acordo com os peticionários, estes relatórios indicam que os estabelecimentos penitenciários da Jamaica são bastante insatisfatórios e em muitos casos estão abaixo das normas estabelecidas pelas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros. Citam, por exemplo, a declaração da Anistia Internacional, de 1993, de que “as condições gerais que prevalecem na penitenciária do distrito de St, Catherine constituem um tratamento cruel, desumano e degradante. As condições e os serviços da prisão  estão muito abaixo das normas estabelecidas nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros, em particular no que se refere ao espaço das celas, o material usado para dormir, a iluminação, as instalações sanitárias e os serviços médicos.”

40.       Os peticionários também informam que todos os prisioneiros a espera de execução na Jamaica encontram-se na penitenciária do distrito de St. Catherine, que foi construída no século XVIII como mercado de escravos. Os peticionários afirmam que, em geral, os prisioneiros carecem de colchão e de outros materiais para dormir, que as celas não tem saneamento, ventilação ou luz adequados, e que os presidiários não podem manter sua higiene pessoal. Ademais, os peticionários afirmam que os prisioneiros não dispõe de atenção médica e psiquiátrica suficiente e que os condenados à morte passam longos períodos na cela, não contam com programas laborais e educativos e com frequência são objeto de maus tratos por parte dos guardas da prisão.

41.       No que se refere às condições de detenção do Sr. Thomas em especial, os peticionários sustentam, com base numa declaração jurada deste, que as condições que viveu antes do julgamento e depois da condenação são violatórias do artigo 5 da Convenção. Em relação às condições de reclusão prévia ao julgamento, desde sua detenção em 20 de janeiro de 1997 até a sua condenação em 25 de julho de 1997, os peticionários citam uma carta do Sr. Thomas a seu advogado, escrita em 22 de fevereiro de 1997, que afirma:

Faz cinco semanas que estou preso…a prisão é um verdadeiro inferno. As condições nas quais nos mantêm detidos são desumanas, dormimos no chão frio, nos dão alimentos mal controlados, os vasos sanitários tem descarga mas esta não funciona há anos, ou seja, cada um tem que suportar diariamente o que o outro deixa. Os banheiros são lavados por um homem a cada cinco dias, de segunda a sexta-feira. O odor é perigoso e acho que também é tóxico, porém, temos que tolerá-lo cinco manhãs por semana. Especialmente as segundas-feiras é intolerável, pois os depósitos de sábado a domingo realmente começam a ser nauseabundos. Não creio que possa sobreviver muito mais nestas condições.

42.       Com relação às condições de detenção posteriores à condenação do Sr. Thomas, os peticionários alegam que este é mantido numa cela 23 horas por dia. Alegam que não dispõe de colchão nem de outro material para dormir e que dorme num bloco de cimento, e tem que usar um balde para suas necessidades fisiológicas. Segundo os peticionários, a cela que ocupa o Sr. Thomas não tem ventilação adequada e luz elétrica alguma, e que a alimentação que é dada aos prisioneiros é inadequada. Além disso, alegam que não existe atenção médica ou psiquiátrica aos prisioneiros, e que não existe um mecanismo adequado para apresentar queixas.

(b)       Alegações de caráter legal em relação às condições de detenção

43.       A respeito das normas jurídicas que devem ser consideradas para determinar se as condições carcerárias constituem uma violação do artigo 5 da Convenção, os peticionários recorreram a diversas disposições das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presidiários. Estas regras incluem o artigo 10, que estabelece que o alojamento para os presos “deverá satisfazer as exigências da higiene, tendo em conta o clima, particularmente no que concerne ao volume de ar, superfície mínima, iluminação, aquecimento e ventilação".[8] Os peticionários também citam vários comentários e decisões da Corte Européia de Direitos Humanos em relação com o tratamento humano no contexto das condições carcerárias e o entendimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre o artigo 10(1) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que afirma que “o tratamento humano e o respeito pela dignidade de todas as pessoas privadas de liberdade é uma norma básica de aplicação universal que não pode depender inteiramente dos recursos materiais. Ainda que o Comitê é consciente de que em outros aspectos as condições de detenção podem variar de acordo com os recursos disponíveis, sempre devem ser aplicadas sem discriminação.” Os peticionários também se referem ao Caso Griego,[9] em que a Corte Européia de Direitos Humanos conclui que as condições de detenção podem equivaler a um tratamento desumano quando as mesmas comportam superlotação, elementos de higiene e de dormir insuficientes, alimentos e recreação inadequados e a incomunicabilidade.

          (ii)        Método de execução na Jamaica

44.       Os peticionários argumentam que a execução da sentença de morte por enforcamento, segundo dispõe a Lei da Jamaica, constitui um tratamento ou castigo cruel e desumano per se, violatório dos artigos 5(1) e 5(2) da Convenção. A respeito, os peticionários afirmam que, embora o artigo 4 da Convenção admita a imposição da pena de morte em certas circunstâncias limitadas, qualquer que seja o método de execução disposto pela Lei, deve estar desenhado de forma a evitar um conflito com o artigo 5 da Convenção.[10]

            45.       Em respaldo a seus argumentos, os peticionários relataram detalhadamente os efeitos físicos, fisiológicos e psicológicos do enforcamento no condenado, segundo a declaração jurada do Dr. Albert Hunt, de 1º de julho de 1997, e do Dr. Francis Smith, de 24 de março de 1996. Sobre a base destas evidências, os peticionários alegam que a execução da sentença de morte do Sr. Thomas na forca violaria o artigo 5(2) da Convenção, tendo em vista que:

(a) a morte por enforcamento constitui um tratamento desumano e degradante porque não causa a morte instantânea, e existe um grande risco de que o Sr. Thomas sofra uma morte desnecessariamente dolorosa e torturante por estrangulamento;

(b) a pressão no cérebro aumentará e isto normalmente vai acompanhado de fortíssimas dores de cabeça. A maior pressão pode ser percebida no inchaço do rosto, olhos e língua;

(c) a obstrução da traquéia eleva a concentração de dióxido de carbono no sangue, o que faz com que a pessoa queira inspirar, mas não possa fazê-lo, devido à obstrução da própria traquéia. Isto causa grande angústia, como ocorre no estrangulamento. Não obstante, a pessoa não pode chorar nem reagir normalmente a angustia e a dor de maneira a mover violentamente seus membros, pois estão atados;

(d) a pele do pescoço debaixo da corda é estirada com a caída produz uma dor grande; e

(e) os efeitos humilhantes do enforcamento no corpo equivalem claramente a um tratamento e castigo degradantes.

         46.       Na opinião dos peticionários, a execução do Sr. Thomas na forca nestas circunstâncias não satisfaria a prova do “menor sofrimento físico e mental possível”, mas sim  constituiria um tratamento cruel e desumano violatório do artigo 5 da Convenção.

d.         Artigo 8 da Convenção – Direito a um julgamento imparcial

47.       Os peticionários sustentam também que o Estado violou os direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 8 da Convenção tendo em vista que as instruções do juiz de primeira instância aos jurados violaram o direito do Sr. Thomas a presunção de sua inocência até que fosse estabelecida legalmente sua culpabilidade, depois de um julgamento justo perante um tribunal imparcial.

           48.       Os peticionários destacam as seguintes instruções do juiz de primeira instância aos jurados:

Como disse, a acusação tem que provar a morte da vítima. Eu não creio que tenham nenhum problema nesse aspecto, que foi o acusado quem a matou, e talvez, neste sentido, vou indicar-lhes o princípio através do qual se conhece como intenção.

            49.       Os peticionários argumentam que esta instrução viola o direito do Sr. Thomas a sua presunção de inocência e que isto, somado a falta de reconhecimento policial antes da indagatória preliminar, dá lugar a violação dos direitos do Sr. Thomas consagrados no artigo 8 da Convenção. Em relação a esta última omissão, os peticionários denunciam que o juiz de primeira instância instruiu ao jurado nos seguintes termos:           

Não é necessário que determinem por que não foi realizado o reconhecimento policial. As provas o deixam bem claro, não foi realizado. Os senhores não tem que ponderar o sistema policial nem sua inexistência, se considerarem que não existe. O que têm que fazer é concentrar sua atenção nos elementos que tem. Apliquem seu sentido comum e sua inteligência aos elementos de que dispõe e determinem por este meio a culpabilidade ou não do acusado.

            50.       Os peticionários, com base nestes aspectos do processo penal do Sr. Thomas, argumentam que o Estado é responsável pela violação dos direitos consagrados no artigo 8 da Convenção.

B.        Posição do Estado

1.         Posição do Estado sobre a admissibilidade

51.       Em suas observações de 16 de setembro de 1999 sobre esta matéria, o Estado formulou a seguinte declaração sobre a admissibilidade da petição do Sr. Thomas:

O Ministério nesta oportunidade renuncia ao seu direito de abordar a admissibilidade da petição, embora venha neste momento abordar os méritos da mesma.

           52.       O Estado não enviou nenhuma observação sobre a admissibilidade da denúncia do Sr. Thomas.

2.         Posição do Estado sobre os méritos

a.         Artigos 4 e 5 da Convenção – Caráter obrigatório da pena de morte

53.       O Estado não nega que a pena de morte na Jamaica seja obrigatória para o homicídio punível com pena capital, de acordo com a Lei de delitos contra a pessoa. Todavia, assinala que a seção 17(2) da Constituição da Jamaica mantém a legalidade de castigos anteriores à independência e os protege contra a impugnação de que constituem tortura, trato ou castigo desumano ou degradante. A Seção 17 da Constituição da Jamaica estabelece que:

(1)     Ninguém será submetido à tortura ou a um castigo ou tratamento desumano ou degradante.

(2)     Nada do disposto por uma Lei ou fato sob a autoridade de uma Lei será considerado incongruente com este artigo ou em contravenção deste artigo na medida em que a Lei em questão autorize a aplicação de alguma descrição de castigo que fosse legal na Jamaica imediatamente antes de entrar em vigor a presente Constituição.

54.       A este respeito, o Estado remete a várias decisões do Comitê Judicial do Conselho Privado, incluindo Pratt e outros contra o Procurador Geral da Jamaica e outros [1993] 4 All E.R. 769, em que, de acordo com o Estado, o Conselho Privado entendeu que o propósito da seção 17(2) da Constituição da Jamaica é preservar todas as descrições de castigo legais imediatamente antes da independência e evitar que fossem impugnadas em virtude da seção 17(1) como castigo desumano ou degradante.  O Estado também observa que no caso Larry Raymond Jones e outros contra o Procurador Geral do Commonwealth de Bahamas [1995] 1 W.L.R. 892, no qual o Código Penal de Bahamas estabelecia a pena de morte como castigo obrigatório por homicídio, foi decidido que enforcar os acusados no caso, de acordo com a sentença de morte imposta contra eles, não violaria seus direitos constitucionais.

55.       Em suas comunicações, o Estado solicitou que a Comissão adotasse os relatórios do Comitê Judicial do Conselho Privado e, em consequência, concluísse que a natureza obrigatória da pena de morte não é arbitrária, cruel, desumana ou degradante, nem  constitui uma violação do direito do Sr. Thomas a não ser privado da vida, dado que o Sr. Thomas foi devidamente condenado por homicídio punível com pena capital e sentenciado a morte.

56.       Além disso, o Estado sustenta que a existência do artigo 4(2) da Convenção e do artigo 6 do Protocolo Opcional do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU é outra prova de que a comunidade internacional não considera que a pena de morte seja um castigo desumano ou degradante. No que refere em particular ao artigo 4(2) da Convenção, o Estado nega que a imposição da pena de morte na Jamaica não esteja reservada aos delitos mais graves. Pelo contrário, o Estado argumenta que a condenação por homicídio é um dos delitos mais graves e é precisamente por esta razão que merece a mais grave das penas.

57.       O Estado argumenta que a pena de morte por homicídio foi reconhecida há muito tempo nos países que impõe esta pena, antes e depois da Convenção, e representa um exemplo “clássico” dos delitos mais graves de acordo com o artigo 4(2) da Convenção.  O  Estado, portanto, caracteriza o argumento dos peticionários a este respeito, na melhor das hipóteses, como tentativa ilógica de impugnar a validez da pena capital na Jamaica. O  Estado aponta que são os elementos do delito que merecem a pena e remete-se as circunstâncias nas quais o delinquente cometeu o delito. De acordo com o Estado, neste contexto, a caracterização do homicídio como delito grave torna-se ainda mais claramente demonstrada, como fica manifesta sua aplicação individualizada.

58.       Em conclusão, o Estado argumenta que uma vez que se dá ao acusado à oportunidade de provar sua inocência e este não consegue, tem que enfrentar todas as circunstâncias da lei.

b.         Artigo 4(6) da Convenção – Prerrogativa de clemência

59.       Em relação ao direito a solicitar a anistia, o indulto ou a comutação da pena com base no artigo 4(6) da Convenção, o Estado nega que o direito de solicitar a clemência na  Jamaica conforme os artigos 90 e 91 da Constituição seja ilusório ou ineficaz. O Estado argumenta que, ao contrário, a Constituição prescreve os princípios que orientam o Governador Geral em exercício sobre a discricionariedade e remete as seções 90(1)(c) e 91(1) e (2) da Constituição da Jamaica.[11]

60.       O Estado argumenta que nada do disposto nos procedimentos do Conselho Privado da Jamaica impede que o Sr. Thomas apresente todos os argumentos que sirvam de base ao caso perante a Comissão, e que, com efeito, os peticionários e as organizações internacionais com frequência apresentam argumentos em nome dos condenados. De acordo com o Estado, esta oportunidade continua disponível e será imparcialmente considerada, e o fato de que os procedimentos não prevejam uma audiência oral, não constitui uma violação de nenhuma norma fundamental da justiça.  O Estado baseia sua argumentação no postulado de que a prerrogativa de clemência é um ato puramente discricionário que exerce o Governador-Geral e que não está qualificado por direito algum. O Estado cita a decisão do Comitê Judicial do Conselho Privado em Freitas contra Benny,[12] no qual Lord Diplock declarou  in dictum que "a clemência não está sujeita a direitos legais, começa onde terminam os direitos legais". O Estado também se refere ao caso Reckley c. o Ministério de Segurança Pública e Imigração e outros  Nº 2 [1996] 1 All E.R. 562, em que, segundo o Estado, o Comitê Judicial do Conselho Privado sustenta que as disposições constitucionais em que se baseou o Comitê Assessor de Bahamas e conforme as quais são reguladas as funções deste, eram de tal natureza que os princípios de justiça não outorgaram aos condenados o direito a formular argumentos referente ao material que tinha sob vista o Comitê Assessor.

61.       Com respeito à afirmação dos peticionários de que o Sr. Thomas tem direito a apresentar ao Conselho Privado da Jamaica - e para sua consideração - as conclusões e recomendações das organizações internacionais de direitos humanos, o Estado sustenta que no caso de Thomas e Hilaire contra o Procurador Geral de Trinidade e Tobago,[13] o Comitê Judicial do Conselho Privado entendeu que se outorga a todos os litigantes um direito geral de que o resultado de toda apelação ou processo legal pendente não seja interrompido por uma ação executiva e que a execução de um condenado quando a matéria é objeto de consideração por um dos órgãos de direitos humanos constituiria um quebra do devido processo ou do direito comum à proteção constitucional que lhe outorga o princípio da imparcialidade processual. O Estado ressalta que esta questão somente pode ser considerada no  momento em que a Comissão formula suas recomendações, de modo que os peticionários não teriam direito a manter esta posição se o relatório da Comissão demorar indefinidamente. O Estado adiciona que a afirmação do Sr. Thomas é prematura, pois não foi tomada nenhuma medida  para proceder a sua execução.

62.       O Estado assinala que no caso Patrick Taylor e outros contra o Procurador Geral da Jamaica, Sup. Ct. Civil Appeal Nos. 13, 15, 16/99, os apelantes fracassaram na sua tentativa perante o Tribunal de Apelações da Jamaica de provar que tinham os mesmos direitos processuais que o Sr. Thomas e que estavam neste momento postulando a questão frente à Convenção Americana. Segundo o Estado, o Tribunal de Apelações conclui que o  relatório de Lord Diplock em  Freitas contra Benny, supra, colocava fora de toda argumentação os direitos processuais do apelante com referência a prerrogativa de clemência. O Estado indica que adota esta jurisprudência para o presente caso, e reitera que o direito a solicitar clemência na Jamaica não é ilusório nem ineficaz.

c.         Artigo 5 da Convenção – Condições de detenção e método de execução na  Jamaica

63.       O Estado apresenta vários argumentos em relação às alegações dos peticionários sobre as condições de detenção do Sr. Thomas. Em primeiro lugar, o Estado sustenta que, apesar do conteúdo dos relatórios de órgãos de supervisão internacionais e nacionais, não pode ser adotada uma posição generalizada cada vez que um preso interpõe uma denúncia. Pelo contrário, as denúncias devem ser examinadas individualmente verificando o mérito caso a caso.

64.       O Estado argumenta que, ainda que fosse demonstrada a veracidade das alegações dos peticionários, não haveria lugar para a comutação da pena de morte do Sr. Thomas.  Neste aspecto, o  Estado baseia-se na decisão do Comitê Judicial do Conselho Privado no caso Thomas e Hilaire, supra, em que os peticionários alegavam que haviam sido detidos em celas sujas, com cheiro ruim e que eram privados de fazer exercícios e sair ao ar livre durante períodos prolongados. De acordo com o Estado, o Comitê Judicial do Conselho Privado entendeu que nesse caso, mesmo se as condições de detenção alegadas pelos peticionários constituíssem um tratamento ou castigo cruel ou desumano, a comutação da sentença não era uma reparação adequada. O Conselho Privado concluiu também que seria diferente se os condenados tivessem sido submetidos a confinamento em solitária, acorrentados, acoitados ou torturados.

65.       Adicionalmente, o Estado recorre à decisão do Tribunal de Apelações da Jamaica no caso Patrick Taylor e outros, supra, no qual o apelante alegou as seguintes condições de detenção: quando foi detido pela primeira vez, foi atacado; quando foi novamente detido, permaneceu algemado durante três dias e golpeado no porão; durante a espera de julgamento, dividiu uma cela com outros 25 homens; não havia iluminação na cela e o exercício diário era limitado há 45 minutos; embora lhe tenham providenciado sabão e papel higiênico, não lhe deram escova de dente nem pasta dentifrícia; lhe entregavam os alimentos e a bebida em bolsas de plástico, e o alimento consistia em porções muito pequenas e mal preparadas.

            66.       Em segundo lugar, o Estado ressalta que o Tribunal de Apelações da Jamaica entendeu que as condições do Sr. Taylor “não constituíam tortura nem imposição de um castigo ou outro tratamento desumano”, motivo pelo qual as condições carcerárias alegadas não apresentavam nenhuma matéria para argumentar a necessidade de uma comutação da pena de morte.

            67.       O Estado remete, de forma análoga, as opiniões do Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso F. Deidrick contra Jamaica, Comunicação Nº 619/1995, no qual o Comitê determinou que as condições de detenção alegadas pelo peticionário não postulavam uma questão referente ao artigo 7 ou ao artigo 10(1) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e eram, portanto, inadmissíveis. Segundo o Estado, as condições de detenção alegadas pelo peticionário nesse caso incluíam o fato de que havia sido detido na espera de execução durante 8 anos, confinado em sua cela 22 horas por dia, passava a maior parte de suas horas de vigília isolado de outros presos, com absolutamente nada que fazer, e que era obrigado a passar boa parte do tempo às escuras.

            68.       Por último, quanto às alegações do peticionário sobre o acesso do Sr. Thomas a tratamento médico, o Estado argumenta que a penitenciária do distrito de St. Catherine conta com um centro médico dotado de dois médicos, um deles especializado em medicina geral e um psiquiatra; um dentista e uma enfermeira profissional; um assistente social qualificado e várias auxiliares de enfermaria que assistem os médicos.  O clínico geral atende diariamente no centro médico, e quando não está de serviço encontra-se disponível por chamado, e o dentista atende no centro médico três vezes por semana.

            69.       O Estado afirma que quando um preso formula uma queixa de caráter médico, são tomadas providências através de um auxiliar de enfermaria para que este possa ser examinado por um médico o antes possível. Se o caso é grave e o médico não está de serviço naquele momento ou não pode ser localizado, o preso é de transferido imediatamente ao Spanish Town Geral Hospital, que está próximo à penitenciária.

           70.       Com base nestes elementos, o Estado nega que a penitenciária do distrito de St. Catherine não ofereça atenção médica e psiquiátrica aos presidiários.

71.       Em sua comunicação datada de 21 de fevereiro de 2001, o Estado apresentou novos argumentos sobre as condições carcerárias. A fim de respaldar a sua posição, o Estado  remeteu três declarações juradas: a primeira datada de 11 de novembro de 1998, de Zepheniah Page, guarda da penitenciária do distrito de St. Catherine; a segunda de 11 de novembro de 1998, de Melbourne Jones, Superintendente da penitenciária; e uma terceira, de 26 de novembro de 1998, do Dr. Raymoth Notice, médico também da penitenciária. O conteúdo das declarações indica que foram preparadas para o litígio perante a Suprema Corte da Jamaica no caso  Neville Lewis contra o Procurador Geral da Jamaica e o Superintendente da Penitenciária do Distrito de St. Catherine.  As declarações contêm informação sobre as condições de detenção do peticionário no caso Neville Lewis, a espera de execução na penitenciária mencionada.

72.       Com base nessas declarações, o Estado sustenta que as condições de detenção dos presos a espera de execução na penitenciária do distrito de St. Catherine são as seguintes:

(a)           Ao serem admitidos na prisão, os presos condenados por homicídio punível com pena capital e sentenciados a morte recebem um balde para suas necessidades fisiológicas, uma jarra para a água, um vaso para beber e uma manta, e depois são levados a unidade onde estão os presos condenados.

(b)           Cada preso é alojado numa cela separada. Cada cela tem 3 m de comprimento por 2 m de largura e 3,5 m de altura. As paredes da cela são de cimento. O chão é bastante liso. As paredes estão pintadas, mas os presos pregam fotos de revistas e jornais nelas. Dentro de cada cela existe um colchão de espuma de borracha de qualidade comum a qualquer outro colchão a venda no comércio. Na cela há uma elevação de cimento sobre a qual é colocado o colchão.

(c)           Mensalmente é entregue a cada preso papel higiênico, sabão e pasta dentifrícia. Se solicitado, os presos tem direito a uma bíblia, outros materiais de leitura, papel e lápis.

(d)           As celas estão dispostas em fila, uma em frente da outra, separadas por um corredor de uns 4 m de largura. Há lâmpadas fluorescentes no teto do corredor, as quais nunca são apagadas. Cada cela tem uma tomada encima da porta, em seu lado exterior. Alguns presos ligam cabos nessas tomadas para conectar lâmpadas elétricas na cela ou para artefatos de cozinha.

(e)           Existe dois espaços abertos em ambos lados do edifício em que ficam alojados os presos. De um lado, o espaço tem uns 3 m por 40 m, e de outro, uns 12 m por 35 m. Na  frente há um espaço aberto de 9 m por 15 m. A ventilação das celas é muito boa, pois o ar circula livremente através de suas portas.

(f)            Os presos limpam sua cela diariamente, sob a supervisão de uma guarda, sendo que lhes é providenciado desinfetante. A limpeza consiste em passar um pano e uma esponja no chão. Os presos varrem o corredor que existe entre as celas, diariamente.

(g)           O balde para as necessidades biológicas tem uma tampa. Se o preso o utiliza durante o dia, pode pedir permissão ao guarda de serviço para esvaziá-lo numa área geral prevista para tais efeitos, e isto é autorizado com frequência. Nesse lugar, há um cano com água corrente e cada preso recebe um desinfetante para lavar o balde, uma vez esvaziado. Se o preso usa o balde durante a noite, lhe é permitido esvaziá-lo na manhã seguinte, quando chega o guarda de serviço.

(h)           É permitido aos condenados ter um rádio à pilha em suas celas. A luz da cela é suficiente para que os presos leiam durante o dia ou à noite.

(i)            Nas celas, cada preso cumpre uma rotina diária. Aproximadamente às 8:30 hs., o guarda abre a porta da cela e permite que o preso esvazie o balde que utiliza para suas necessidades. Também lhes é permitido lavar a cara e os dentes.  Depois os presos retornam a cela, tomam o café-da-manhã, podem fazer exercício na área aberta, ao lado do edifício, e tomam banho. Se assim o desejar, o preso pode ver o médico, comparecer ao escritório administrativo, ver a seu advogado, seu conselheiro religioso ou qualquer  outra visita. O tempo destas atividades depende das circunstâncias. Depois volta a cela, onde recebe o almoço.  Durante à tarde a cela é aberta e é repetido o processo (esvaziamento do balde, exercício, etc.). O preso retorna a cela e recebe outra comida, e então a cela é fechada até a manhã seguinte.

(j)            Os presos recebem cuidados e atenção especiais. Os guardas estabelecem uma relação especial com eles e não existem normas rígidas para o tempo que duram as atividades fora das celas.

(k)           É permitido jogar futebol no espaço aberto periodicamente, ainda que exista uma norma tácita através da qual não podem estar nunca fora da cela mais de dois presos.

(l)            Um funcionário superior da prisão comunica-se diariamente com os presos para tomar nota de toda denúncia que possa querer formular e avaliar as condições gerais das celas e áreas de trabalho. Os relatórios são apresentados ao Superintendente, o qual é responsável pelo bem-estar dos presos na penitenciária. Este processo tem por fim não somente assegurar a atenção aos presos, mas também o cumprimento das funções por parte dos guardas.

(m)          As denúncias são atendidas prontamente.

(n)           Se um preso é objeto de abuso, lhe pode ser negado às vezes de sair de sua cela e deve encontra-se com o  Superintendente responsável da prisão. Nestas circunstâncias, o Superintendente visita o preso, toma nota de sua denúncia e adota as medidas pertinentes contra o acusado, em geral, para a satisfação do preso denunciante.

73.       Com respeito às afirmações dos peticionários sobre o método de execução na Jamaica, o Estado argumenta que a inclusão do artigo 4(2) na Convenção Americana, o qual prevê a imposição da pena de morte em certas condições, demonstra que a Convenção contempla o sofrimento do condenado no momento da execução da pena de morte, mas que isto não pode ser considerado desumano. Com efeito, o Estado indica que desconhece a existência de uma forma de execução que não comporte certa forma de tratamento que alguns possam considerar desumano. O Estado sugere também que entende que os efeitos físicos durante a execução da pena de morte na forca provocam uma imediata perda de consciência, o que, por sua vez, “reduz ao mínimo o sofrimento” do preso. O Estado, portanto, nega que esta forma de execução seja contrária ao artigo 5 da Convenção Americana.

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[1] A Seção 2(1) da Lei define "o homicídio punível com pena capital" no sentido de incluir o homicídio cometido contra certas pessoas em virtude do seu emprego, cargo ou condição, por exemplo, os funcionários policiais e judiciais. Também inclui o homicídio cometido no curso ou fomento de outros delitos, incluindo o roubo, a invasão de domicílio com intenção de roubo e o incêndio intencional de uma residência. A Seção 2(3) define o homicídio não punível com pena capital como aquele não compreendido na Seção 2(1) da Lei. O texto destas disposições figura na Parte IV.CONTRA1.a do presente Relatório.

[2] A Seção 3(1) da Lei dispõe que "todo condenado por homicídio punível com pena capital será sentenciado a morte e em cada uma destas condenações o tribunal pronunciará uma sentença de morte, sendo que a mesma pode ser executada como determina a prática; e toda pessoa assim condenada ou sentenciada em virtude da subseção (1A), será, após a sentença, confinada num lugar seguro da prisão, apartada dos demais prisioneiros. Nos casos em que, em virtude desta seção, uma pessoa seja sentenciada a morte, a forma da sentença implica em que 'sofrerá a morte na forma autorizada pela Lei.'"

[3] Os peticionários citam as decisões  do Comitê de Direitos Humanos da ONU em Little contra Jamaica, Comunicação Nº 283/1988, U.N. Doc.  Nº CCPR/C/43/D/283/1988, Reid contra Jamaica, Comunicação Nº 725/1987, U.N. Doc.  Nº CCPR/PR/C/39/D/725/1987; Collins contra Jamaica, Comunicação Nº 356/1989, U.N. Doc.  Nº CCPR/C/47/D/356/1989, Smith contra Jamaica, Comunicação Nº 282/1988, U.N. Doc.  CCPR/C/47/D/282/1988, Campbell contra Jamaica, Comunicação Nº 248/1987, U.N. Doc.  Nº CCPR/C/44/D/248/1987, e Kelly contra Jamaica, Comunicação Nº 253/1987, U.N. Doc.  Nº CCPR/C/41/D/253/1987.

[4] A Constituição da Jamaica, de 23 de julho de 1962, promulgada como Ordem de Conselho (Constituição) da Jamaica, Segundo Anexo, Cap. III , Seção 17(2) (onde dispõe, a respeito da proteção contra trato desumano que “nada do contido numa lei ou autorizado por uma lei será considerado incongruente ou em contravenção com esta seção na medida em que a Lei em questão autorize a imposição de um castigo que fosse legal na Jamaica imediatamente antes da data de entrada em vigor"); a Seção 26(8) (onde dispõe que "nada do contido numa Lei vigente imediatamente antes da data de entrada em vigor será considerado incongruente com as disposições do presente Capítulo [incluindo o direito a vida e a proteção contra o trato desumano]; e nada feito pela autoridade dessa lei será considerado em contravenção com alguma dessas disposições.").

[5] Woodson contra Carolina do Norte, 428 U.S. 280 (1976) (Corte Suprema dos Estados Unidos).

[6] Bachan Singh contra o Estado de Punjab, (1980) S.C.C. 475 (Corte Suprema da Índia).

[7] Seções 90 e 91 da Constituição da Jamaica, que dispõe:

90.(1) O Governador Geral pode, a nome de Sua Majestade,-

(a)       outorgar a qualquer pessoa condenada de um delito contra a lei da Jamaica um indulto, total ou sujeito a condições legais;

(b)       outorgar a qualquer pessoa um adiamento da execução da sentença, seja indefinidamente ou por um período especificado, suspendendo a execução da pena imposta por este delito;

(c)       substituir o castigo por uma forma menos severa que a imposta a pessoa por esse delito, ou

(d)       suspender em todo ou em parte o castigo imposto à pessoa por esse delito ou a multa ou confisco por outra razão devida a Coroa por esse delito.

(2)       Em exercício das faculdades que lhe confere esta seção, o Governador Geral atuará por recomendação do Conselho Privado.

91.(1) Quando uma pessoa seja sentenciada a morte por um delito contra a Lei da Jamaica, o Governador Geral encomendará um relatório escrito do caso ao juiz de primeira instância, conjuntamente com toda informação derivada dos antecedentes do caso ou de outra fonte que o Governador Geral possa requerer, a qual seria remetida ao Conselho Privado para que este o assessore de acordo com as disposições da seção 90 desta Constituição.

(2)       A faculdade de requerer informação conferida ao Governador Geral pela subseção (1) da presente seção será exercida por ele por recomendação do Conselho Privado ou de ofício no caso em que, na sua opinião, a matéria seja demasiado urgente como para admitir a obtenção dessa recomendação a tempo para atuar.

[8] Além disso, os peticionários alegam a violação dos artigos 11(a), 11(b), 12, 13, 15, 19, 22(1), 22(2), 22(3), 24, 25(1), 25(2), 26(1), 26(2), 35(1), 36(1), 36(2), 36(3), 36(4), 57, 71(2), 72(3) e 77 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos.

[9]  Corte Européia de Direitos Humanos, Caso Griego 12 Y.B. 1 (1969).

[10] Os peticionários remetem a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU no caso Ng contra Canadá, Comunicação Nº 469/1991, em que o Comitê declarou que a imposição da pena capital de acordo com o artigo 7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos “deve ser executada de maneira a causar o menor sofrimento físico e mental possível”.

[11] Ver supra, nota 7.

[12] de Freitas contra Benny [1976] 2 A.C 239.

[13] Darren Roger Thomas e Haniff Hilaire contra Cipriani Baptiste e outros,  Apelação perante o Conselho Privado Nº 60 de 1998 (21 de janeiro de 1999).