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RELATÓRIO Nº
89/01 CASO 12.342 BALKISSOON ROODAL TRINIDAD
e TOBAGO 10
de outubro de 2001 I.
RESUMO
1. Em 8 de
novembro de 2000, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante
denominada a “Comissão”) recebeu uma petição de Saul Lehrfreund da
firma de advogados Simons Muirhead & Burton
de Londres, Reino Unido (doravante denominada “os peticionários”)
contra a República de Trinidad e Tobago (doravante denominada,
“Trinidad e Tobago” ou “o Estado”). A petição foi apresentada em
nome do Sr. Balkissoon Roodal, um prisioneiro condenado a morte e
aguardando a execução na República de Trinidad e Tobago. 2.
A petição alega que o Estado havia julgado e condenado o Sr.
Roodal por delito de homicídio em 15 de julho de 1999, impondo-lhe uma
sentença de morte por enforcamento de conformidade com a Lei
de Delitos contra a Pessoa[1]
de Trinidad e Tobago. A petição também alega que o Estado é
responsável pela violação dos direitos do Sr. Roodal previstos nos
artigos I, II, XVIII, XXV e XXVI
da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (doravante
denominada a “Declaração Americana” ou a “Declaração”) em relação
aos processos penais interpostos contra ele
da seguinte forma: (a) violações
dos artigos I, II, XVIII e XXVI da Declaração Americana em relação ao
caráter obrigatório da pena de morte Sr. Roodal; (b) violações
dos artigos XVIII e XXVI da Declaração Americana tendo em vista que a
acusação não divulgou completamente as
condenações das testemunhas de acusação
a defesa e, portanto, privou o Sr. Roodal de um julgamento
imparcial; (c) violações
dos artigos XVII e XXV da Declaração Americana devido a demora
em julgar o Sr. Roodal; (d) violações
do artigo XXVI da Declaração Americana em relação ao
tratamento e condições de detenção do
Sr. Roodal; (e) violações dos artigos XVII e XXVI da
Declaração Americana devido a falta de acesso aos tribunais e a um
recurso eficaz para as violações dos direitos humanos do Sr. Roodal. 3.
Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão não
havia recebido uma resposta do Estado a respeito da petição do Sr.
Roodal. 4.
Como está indicado neste relatório, e tendo examinado os
argumentos das partes sobre a questão de admissibilidade, sem prejudicar
o mérito do caso, a Comissão decide admitir a presente petição com
respeito aos artigos 1, 2, 4, 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (doravante denominada a “Convenção Americana” ou a
“Convenção”) e os artigos I, II, XVII, XVIII, XXV e XXVI da Declaração
Americana e prosseguir com a análise do mérito do caso.
II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO
A. Petições e
observações 5.
Após receber a petição do Sr. Roodal, em 13 de novembro de 2000,
a Comissão remeteu as partes pertinentes da petição ao Estado. A Comissão
solicitou ao Estado que apresentasse suas observações relativas à petição
no prazo de 90 dias, como estipula o Regulamento anterior da Comissão.[2]
6.
Em 20 de novembro de 2000, a Comissão recebeu uma nota datada de
16 de novembro de 2000, onde o Estado notificou ter recebido a comunicação
da Comissão de 13 de novembro de 2000.
7.
Por comunicação de 14 de setembro de 2001, os peticionários
remeteram a Comissão informação adicional sobre a denúncia do Sr.
Roodal, inclusive a declaração de 26 de julho de 2001.
Em 18 de setembro de 2001, a Comissão remeteu as partes
pertinentes das observações ao Estado solicitando-lhe que respondera
dentro de 20 dias. 8.
Até a data de elaboração deste relatório, a Comissão não
havia recebido informação nem observação adicional do Estado com
respeito da petição do Sr. Roodal. B.
Medidas cautelares
9.
No momento em que foram remetidas as partes pertinentes da petição
do Sr. Roodal ao Estado, a Comissão solicitou ao Estado que adotasse
medidas cautelares, de conformidade com o artigo 29 de seu Regulamento
anterior, a fim de suspender a execução do Sr. Roodal até que a Comissão
tivesse investigado as alegações dessa petição.
Esta solicitação baseou-se no fato de que, se o Estado executasse
o Sr. Roodal antes que a
Comissão tivesse a oportunidade de estudar este caso, qualquer decisão
posterior seria discutível quanto aos recursos disponíveis e o Sr.
Roodal sofreria danos irreparáveis. A Comissão não recebeu resposta do
Estado com respeito a sua solicitação de medidas cautelares. III. POSIÇÕES DAS PARTES A. Posição dos
peticionários 1. Antecedentes da
denúncia 10.
Segundo o expediente, Balkissoon Roodal foi detido e acusado do
assassinato de Philbert Charles durante o período compreendido entre 19 e
20 de agosto de 1995. O
julgamento do Sr. Roodal foi realizado entre 2 e 25 julho de 1999.
Em 15 de julho de 1999, o Sr. Roodal foi condenado por homicídio e
sentenciado a morte por enforcamento de conformidade com a Lei de Delitos
contra a Pessoa. Posteriormente,
apelou da sentença ao Tribunal de Apelação de Trinidad e Tobago, o qual
indeferiu a sua apelação em 7 de abril de 2000.
o Sr. Roodal apresentou então um solicitação de autorização
especial para apelar na qualidade de pessoa pobre perante o Comitê
Judicial de Privy Council (doravante denominado o “Conselho Privado”),
o qual indeferiu o seu pedido em 2 de novembro de 2000. 11.
O assassinato pelo qual o Sr. Roodal foi condenado ocorreu quando o
Sr. Philbert Charles e seus cúmplices tentaram roubar maconha que o Sr.
Roodal, segundo alegações, cultivava ilicitamente num campo do Bosque de
Charuma. A acusação baseou
o caso numa escopeta que a polícia recuperou na casa do Sr. Roodal, bem
como nas declarações que prestaram os cúmplices do Sr. Charles, Selwyn
Simmonds e Andrew Kenhai, e vários detetives da polícia. 12.
Em sua defesa, o Sr. Roodal argumentou que foi vítima de um confusão
de identidade e que as provas oferecidas por Selwyn Simmonds e Andrew
Kenhai não eram confiáveis. Neste
sentido, o Sr. Roodal menciona uma declaração prestada por Andrew Kenhai,
na qual indicava que não havia visto ninguém na zona.
O Sr. Roodal também acredita na possibilidade de haverem
confundido-lhe com seu irmão. Este argumento baseia-se nas provas de
Selwyn Simmonds de que havia visitado o campo antes e que era irmão do
Sr. Roodal, e não o Sr. Roodal, quem havia plantado a maconha no bosque.
2. Posição dos
peticionários com respeito a competência da Comissão
13. Os peticionários
indicam na petição que, embora a República de Trinidad e Tobago tenha
denunciado a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 26 de maio de
1998, a qual entrou em vigor um ano mais tarde de conformidade com o
artigo 78 da Convenção Americana, Trinidad e Tobago continua sendo
responsável por violações de direitos consagrados na Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem.
14.
Os peticionários defendem que a Comissão é competente para
considerar estas supostas violações da Declaração com base na Opinião
Consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos OC-10/89, de 14 de
julho de 1989, na qual a Corte decidiu que a Declaração Americana e o
texto que define os direitos humanos faz referência a Carta da Organização
dos Estados Americanos e que isso, como consequência, constitui uma
obrigação jurídica para os Estados membros da OEA. 15.
Adicionalmente, os peticionários indicam que se basearam nas
disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ao
apresentar seus argumentos relativos a Declaração Americana, pois a
Comissão vem adotando a “doutrina mais aceitável” ao interpretar
direitos protegidos pela Declaração Americana, isto é, as disposições
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A fim de ilustrar sua afirmação, os peticionários citam o artigo
29(d) da Convenção Americana, o qual dispõe que “nenhuma disposição
da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de excluir ou
limitar o efeito que possa produzir a Declaração Americana de Direitos e
Deveres do Homem...”.
3. Posição dos
peticionários com respeito à admissibilidade 16.
Em relação à admissibilidade de sua denúncia, os peticionários
alegam que o Sr. Roodal esgotou os recursos internos disponíveis, como
requer o artigo 31 do Regulamento da Comissão.
Sustentam que o Sr. Roodal apelou da sua condenação perante o
Tribunal de Apelação de Trinidad e Tobago sem obter resultado algum, e
buscou uma autorização especial para apresentar recurso de apelação na
qualidade de pessoa pobre perante o Comitê Judicial do Conselho Privado,
o máximo órgão de apelação em Trinidad e Tobago, o qual rejeitou a
petição em 2 de novembro de 2000. 17.
Os peticionários indicam que o Sr. Roodal não tentou apresentar
um recurso de inconstitucionalidade perante os tribunais internos de
Trinidad e Tobago porque não tinha meios econômicos nem dispunha de
assistência jurídica para fazê-lo.[3] 18.
Além disso, os peticionários advogam que a Constituição de
Trinidad e Tobago está redigida de maneira que as leis existentes e válidas
antes da independência não podem ser argüidas.
Segundo os peticionários, estas disposições têm o efeito de
congelar no tempo a legislação colonial que, sem exceção, autoriza a
pena de morte obrigatória em certos casos.
Portanto, não é possível argumentar em qualquer tribunal interno
que a pena de morte é inconstitucional devido a seu caráter obrigatório
ou por ser cruel, exceto quando a forma em que foi executada não tivesse
sido legítima antes da independência.
Como consequência, os peticionários alegam que o argumento sobre
se a pena de morte obrigatória é legítima ou não somente pode argüido
perante a Comissão de acordo com a Declaração Americana. 19.
Também segundo os peticionários, a matéria do caso do Sr. Roodal
não foi submetida a exame em nenhuma outra instância de investigação
ou solução internacional.
20.
A respeito do mérito da petição, os peticionários apresentam
cinco alegações principais, a saber: a) O Estado é responsável pela violação dos artigos I, II, XVIII e
XXVI da Declaração Americana ao sentenciar o Sr. Roodal a pena de morte
obrigatória pelo delito de assassinato.
Em particular, os peticionários argumentam que a sentença de
morte obrigatória imposta pelo direito penal de Trinidad e Tobago a toda
pessoa condenada pelo delito de assassinato viola o direito a vida de
conformidade com o artigo I da Declaração e representa a imposição de
uma pena cruel, infame e inusitada. Também sustentam que a ausência de
uma audiência para lograr um objetivo e proporcionar uma decisão sobre
se a pena de morte deverá ser imposta com base nos fatos de seu caso
viola seu direito de igualdade perante a lei, e lhe priva de um julgamento
imparcial sobre a questão da
execução ou não de sua pena. b) O
Estado é responsável pela violação do direito do Sr. Roodal de
recorrer perante um juiz ou
tribunal competente, a fim de que este decida, sem
demora, sobre a legalidade de sua detenção e o direito do Sr.
Roodal a um julgamento
imparcial e rápido de conformidade com os artigos XVIII e XXV da Declaração
Americana por causa da demora entre a detenção do Sr. Roodal e seu
julgamento. Os peticionários
sustentam que o Sr. Roodal foi detido em 20 de agosto de 1995 e foi levado
perante um juiz em 23 de agosto de 1995.
Também alegam que foram
formulados cargos contra o Sr. Roodal alegando que este assassinou
Philbert Charles durante o período entre 19 e 20 de agosto de 1995, que
seu julgamento somente foi realizado quatro anos depois entre 2 e
5 de julho de 1999, e que mencionado período foi prolongado de
forma injustificável. c)
O Estado é responsável pela violação dos artigos
XVIII e XXVI da Declaração Americana, já
que a acusação não divulgou completamente para a defesa as
condenações das testemunhas de acusação e, portanto, privou o
Sr. Roodal do tempo e meio adequados para preparar sua defesa e de um
julgamento imparcial. Os peticionários alegam, em particular, que no
contexto da petição do Sr. Roodal perante o Comitê Judicial do Conselho
Privado, o advogado do Estado proporcionou-lhes ma lista de condenações das testemunhas de acusação em 2
de junho de 2000. Esta lista indicava que a defesa não tinha total
conhecimento das condenações prévias de Selwyn Simmonds e Andrew Kenhai
e que ambas testemunhas mentiram quanto ao alcance de suas condenações
anteriores. Os peticionários declaram, entre outros, que a condenação
de uma testemunha de acusação pode estar relacionada com a credibilidade
e a propensão, e neste caso, a credibilidade das testemunhas de acusação
era discutível e que as condenações estavam relacionadas com este
assunto. d) O
Estado é responsável pela violação do artigo XXVI da Declaração em
relação com o tratamento e condições de detenção do Sr. Roodal
antes, durante e depois de sua condenação.
Em suas comunicações, os peticionários proporcionam informação
sobre as condições gerais das instalações de detenção em Trinidad e
Tobago, bem como as condições particulares de detenção experimentadas
pelo Sr. Roodal, e alegam que estas condições não satisfazem as regras
mínimas internacionais para o tratamento humano de detentos. Os peticionários
também sustentam que durante sua detenção, o Sr. Roodal foi vítima de
violência pela polícia e foi privado de tratamento médico pela lesões
resultantes. e) O Estado é responsável pela violação dos artigos XVII e XXVI da
Declaração como consequência de seu fracasso em proporcionar ao Sr.
Roodal acesso eficaz a um recurso de inconstitucionalidade perante os
tribunais em Trinidad e Tobago para a proteção de seus direitos humanos
internos e internacionais. Os peticionários argumentam que o artigo 14 da
Constituição de Trinidad e Tobago outorga aos indivíduos o direito jurídico
de apresentar um recurso de inconstitucionalidade perante o Tribunal
Superior.[4]
Indicam, porém, que este direito não é real, porque os procedimentos são
bastante caros para as vítimas, e porque não existe assistência jurídica
para apresentar estes recursos. Por
conseguinte, os peticionários alegam que os custos dos procedimentos
perante o Tribunal Superior estão além dos meios disponíveis a grande
maioria dos acusados por delitos capitais e não há nenhum outro
procedimento jurídico por meio do qual o Sr. Roodal possa reclamar seus
direitos.
B. Posição do
Estado
21.
Como indicado anteriormente, a Comissão remeteu as partes
pertinentes da petição dos peticionários ao Estado em 13 de novembro de
2000 solicitando que o Estado proporcionasse informação pertinente no
prazo de 90 dias. Apesar
desta solicitação, até a data de elaboração deste relatório, a
Comissão não havia recebido informação nem observação adicional do
Estado com respeito da petição do Sr. Roodal.
IV.
ANÁLISE
A. Competência da
Comissão 22.
A República de Trinidad e Tobago tornou-se parte da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em 28 de maio de 1991[5],
quando depositou o seu instrumento de ratificação do referido tratado.
Trinidad e Tobago denunciou, posteriormente, a Convenção Americana por
meio de uma notificação que foi apresentada com um ano de antecedência,
em 26 de maio de 1998, de conformidade com o artigo 78 da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, o qual dispõe o seguinte: 78(1)
Os Estados partes poderão denunciar esta Convenção depois de
expirado o prazo de cinco anos a partir da data de entrada em vigor da
mesma e mediante um pré-aviso de um ano, notificando ao Secretário Geral
da Organização, quem deve informar as outras partes. (2)
Mencionada denúncia não terá efeito de desligar o Estado parte
interessado das obrigações contidas nesta Convenção no que concerne a
todo fato que, podendo constituir uma violação dessas obrigações, haja
sido cumprido por ele antes da data na qual a denúncia produziu efeito. 23.
De acordo com o previsto no artigo 78(2), os Estados partes da
Convenção Americana concordaram que uma denúncia realizada por qualquer
um deles não libera o Estado denunciante de suas obrigações
estabelecidas na Convenção a respeito das ações adotadas por esse
Estado antes da data efetiva da denúncia, e que podem constituir uma
violação dessas obrigações. As obrigações de um Estado parte, de
conformidade com a Convenção, não abarcam somente aquelas disposições
da Convenção relacionadas com os direitos e liberdades substantivos
garantidos pela mesma. Também abarcam, de acordo com a Convenção,
disposições relacionadas com os mecanismos de supervisão,
aqueles incluídos no Capítulo VII da Convenção relativos à jurisdição,
funções e poderes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.[6]
Portanto, apesar da denúncia da Convenção por parte de Trinidad
e Tobago, a Comissão continuará tendo jurisdição sobre as denúncias
de violações da Convenção por parte de Trinidad e Tobago em relação
com as medidas adotadas pelo Estado
antes de 26 de maio de 1999. Conforme a jurisprudência estabelecida,[7]
isto inclui medidas adotadas pelo Estado antes de 26 de maio de 1999,
inclusive se as consequências dessas medidas continuam ou não a se
manifestar depois desta data. 24.
Com respeito às medidas adotadas pelo Estado depois de
26 de maio de 1999, o Estado continua limitado pela Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem e pela autoridade da Comissão
para supervisionar o cumprimento desse instrumento pelo Estado, havendo
depositado seu instrumento de ratificação da Carta da OEA em 17 de março
de 1967 e convertendo-se, por conseguinte, em um Estado membro da OEA.[8]
25.
Neste caso, alguns acontecimentos alegados pelo Sr. Roodal podem,
segundo a informação disponível, terem ocorrido antes de 26 de maio de
1999, enquanto que outros podem ter ocorrido antes de 26 de maio de 1999,
mas continuaram a ter efeitos depois desta data. E ainda, outros atos
podem ter ocorrido totalmente depois de
26 de maio de 1999. Estas circunstâncias levam a uma possível
aplicação tanto da Convenção Americana como da Declaração Americana
ou de ambas às alegações formuladas pelo Sr. Roodal em sua petição. A
respeito, a Comissão indica que, embora os peticionários não hajam
alegado especificamente violações da Convenção Americana em sua petição,
a Comissão tem a autoridade e a obrigação de aplicar as disposições
jurídicas pertinentes ao processo inclusive quando as partes não as
invocam explicitamente, com base no princípio general de direito iura novit curia.[9]
26.
Em vista da natureza das alegações dos peticionários, a Comissão
considera que mediante a análise do mérito das reclamações dos
peticionários pode determinar a natureza e o alcance de qualquer ato, o
qual o Estado pode ser responsável e, por conseguinte, pode determinar a
aplicação da Convenção Americana e/ou da Declaração Americana a
estes atos. A Comissão conclui, portanto,
que tem competência para considerar as reclamações do Sr. Roodal de
conformidade com ambos instrumentos,
e decidir sobre a aplicabilidade específica tanto da Convenção
Americana como da Declaração Americana ou de ambas em relação a cada
uma das reclamações formulada na petição do Sr. Roodal.
B. Admissibilidade
1. Duplicidade de
trâmites 27.
O artigo 46(1)(c) da Convenção Americana e o artigo 33(1) do
Regulamento da Comissão estabelecem que a Comissão não considerará uma
petição se sua matéria, está pendente de solução ou já foi
examinada e resolvida pela Comissão ou por outro órgão internacional do
qual o Estado em questão é membro. 28.
No caso do Sr. Roodal os peticionários indicaram que a sua petição
não foi submetida a exame de nenhuma outra instância internacional de
investigação ou solução. O Estado não argüiu a questão de
duplicidade. A Comissão, portanto, não encontra nenhum impedimento para
considerar as reclamações do Sr. Roodal de conformidade com o artigo
46(1)(c) da Convenção Americana e o artigo 33(1) do Regulamento da
Comissão. 2.
Esgotamento dos recursos internos 29.
O artigo 46(1)(a) da Convenção e o artigo 31(1) do Regulamento da
Comissão especificam que, para que um caso seja admitido pela Comissão
é necessário que hajam sido interpostos e esgotados os recursos
da jurisdição interna conforme os princípios do Direito Internacional,
geralmente reconhecidos. Ademais, a jurisprudência do sistema
interamericano deixa claro que a regra que requer o esgotamento prévio
dos recursos internos está desenhada a favor do Estado, já que a regra
procura eximir o Estado da tarefa de responder as acusações perante um
órgão internacional por atos imputados ao mesmo antes que haja tido a
oportunidade de repará-los por meios internos. Segundo a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, o requisito é considerado como um
meio de defesa e, como tal, é possível renunciar ao mesmo, inclusive
tacitamente. Além disso, uma renúncia depois de vigente é irrevocável.
[10]
Tendo em vista a denúncia, a Comissão não está obrigada a considerar
qualquer possível impedimento de admissibilidade das reclamações de um
peticionário que formuladas adequadamente pelo Estado com relação ao
esgotamento dos recursos internos. 30.
No presente caso, o Estado não apresentou observação nem informação
alguma a respeito da admissibilidade das reclamações do Sr. Roodal. Não
obstante, de acordo com amplas comunicações proporcionadas pelos
peticionários, a Comissão não tem dúvida que o Sr. Roodal esgotou os
recursos internos efetivos perante os tribunais de Trinidad e Tobago. Os
peticionários indicaram que o Sr. Roodal apelou de sua condenação
perante o Tribunal de Apelação de Trinidad e Tobago, sem obter nenhum
resultado, e buscou autorização especial para apresentar recurso de
apelação na qualidade de pessoa pobre perante ao Comitê Judicial do
Conselho Privado, o máximo órgão de apelação em Trinidad e Tobago, o
qual indeferiu seu pedido em 2 de novembro de 2000. O Estado não refutou
estes fatos, nem demonstrou que há recursos disponíveis de fato de
direito para a matéria da petição ou que referidos recursos não foram
esgotados. 31.
Diante destas circunstâncias, a Comissão considera que o Sr.
Roodal esgotou os recursos internos eficazes disponíveis quando o Comitê
Judicial do Conselho Privado indeferiu seu pedido de autorização
especial para apresentar um recurso de apelação em 2 de novembro de
2000. Por conseguinte, a Comissão considera que não existe impedimento
algum para admitir as denúncias dos peticionários, de conformidade com o
artigo 46(1)(a) da Convenção ou o artigo 31(1) do Regulamento da Comissão.
3.
Prazo para apresentação da petição 32.
De conformidade com o artigo 46(1)(b) da Convenção e o artigo
32(1) do Regulamento da Comissão, esta considerará aquelas petições
que apresentadas dentro do prazo de seis meses a partir da data em que a
parte denunciante haja sido notificada da decisão definitiva no âmbito
interno. A petição do Sr. Roodal foi apresentada perante a Comissão em
8 de novembro de 2000, portanto, dentro do prazo de seis meses a partir da
data da decisão que havia esgotado os recursos internos, especificamente,
a decisão de 2 de novembro do Comitê Judicial do Conselho Privado, a
qual indefere o pedido do Sr. Roodal de autorização especial para
apresentar recurso de apelação. O Estado não
refutou estes fatos nem demonstrou que os peticionários não
tenham cumprido com o requisito de seis meses. Por conseguinte, a Comissão
não encontra nenhum impedimento relativo à admissibilidade da petição
previsto no artigo 46(1)(b) da Convenção e do artigo 32 do Regulamento
da Comissão. 4.
Demanda aparente
33. Os artigos
47(b) da Convenção e os artigos 34(a) do Regulamento da Comissão
estabelecem que a Comissão declarará inadmissível toda petição que não
exponha fatos que caracterizem violação dos direitos garantidos pela
Convenção ou outros instrumentos aplicáveis. O artigo 47(d) da Convenção
e o artigo 34(b) do Regulamento da Comissão
estipulam que a Comissão declarará inadmissível qualquer
comunicação quando a petição resulte da exposição do próprio
peticionário ou do Estado manifestadamente infundada ou quando seja
evidente sua total improcedência. 34.
No presente caso, os peticionários alegam que o Estado violou os
direitos do Sr. Roodal previstos nos artigos I, II, XVIII, XXV e XXVI da
Declaração Americana. Como
indicado pela Comissão, as alegações dos peticionários também podem
revelar violações comparáveis as da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos na medida que se alega que a conduta do Estado ocorreu em
parte ou totalmente antes de 26 de maio de 1999.
Conforme a informação apresentada pelos peticionários, e sem
prejudicar o mérito da questão, a Comissão considera que a petição
dos peticionários contém alegações de fatos que, se provadas
verdadeiras, tendem a presumir violações dos direitos garantidos tanto
pela Convenção Americana como pela Declaração Americana ou ambas e que
as declarações dos peticionários não são manifestamente infundadas nem é evidente sua total improcedência.
Por conseguinte, a petição é considerada admissível segundo o artigo
47(b) e 47(c) da Convenção e os artigos 34(a) e (b) do Regulamento da
Comissão. V.
CONCLUSÕES
35. A Comissão
conclui que é competente para examinar o presente caso e que a petição
é admissível de acordo com os artigos 46 e 47 da Convenção e os
artigos 31 ao 34 do Regulamento da Comissão. 36.
Com base nos
argumentos de fato e de direito antes expostos, e tendo em vista o
contexto temporal em que ocorreram os fatos alegados na petição,
e, ainda, sem prejudicar o fundo da questão,
A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1. Declarar
admissível o presente caso quanto as supostas violações de direitos
protegidos nos artigos 1, 2, 4, 5, 7, 8 e 25
da Convenção Americana e os artigos I, II, XVII, XVIII, XXV e
XXVI da Declaração Americana. 2. Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 10 dias do mês de outubro 2001. (Assinado):
Claudio Grossman, Presidente, Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente;
Marta Altolaguirre, Segunda Vice-presidenta; Robert K. Goldman, Peter
Laurie, Julio Prado Vallejo, Hélio Bicudo, Membros da Comissão.
A opinião do Dr. Hélio Bicudo está incluída imediatamente após o fim
deste relatório.
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[1]
Lei
de Delitos contra a Pessoa, (3 de abril de 1925), Leis de Trinidad e
Tobago, Cap. 11:08. Seção 4 da Lei estipula a pena de morte como a
pena obrigatória para o delito de assassinato, e dispõe que "[t]oda
pessoa condenada por homicídio deverá sofrer a morte”. [2]
Durante
seu 109 período
extraordinário de sessões de dezembro de 2000, a Comissão aprovou o
Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o qual
substituiu o Regulamento anterior de 8 de abril de 1980. Em virtude do
artigo 78 deste novo Regulamento da Comissão, este entrou em
vigência em 1º de maio de 2001.
[3]
A fim de ilustrar o seu argumento sobre a impossibilidade de
apresentar um recurso de inconstitucionalidade nas circunstâncias do
caso do Sr. Roodal, os peticionários citam as decisões do Comitê de
Direitos Humanos das Nações Unidas em Little c. Jamaica, Comunicação
Nº 283/1988,
Nações Unidas, Documento Nº CCPR/C/43/D/283/1988, Rei dc. Jamaica,
Comunicação Nº 725/1987,
Nações Unidas, Documento Nº CCPR/PR/C/39/D/725/1987; Collins
c. Jamaica, Comunicação Nº 356/1989, Nações Unidas, Documento Nº
CCPR/C/47/D/356/1989, Smith c. Jamaica, Comunicação Nº 282/1988, Nações
Unidas, Documento
Nº CCPR/C/47/D/282/1988, Campbell c. Jamaica, Comunicação Nº
248/1987, Nações Unidas, Documento Nº CCPR/C/44/D/248/1987, e Kelly
c. Jamaica, Comunicação Nº 253/1987, Nações Unidas, Documento Nº
CCPR/C/41/D/253/1987. [4]
De
conformidade com o artigo 14 da Constituição da República de
Trinidad e Tobago, “se uma pessoa alega que qualquer disposição
deste capítulo tenha sido, está sendo, ou provável que seja,
transgredida com relação à mesma, então, sem prejuízo de nenhuma
outra ação com respeito à mesma matéria legitimamente disponível,
essa pessoa pode dirigir-se ao Tribunal Superior para compensação
por meio de um recurso de anticonstitucionalidade”. [5]
Documentos
Básicos sobre Direitos Humanos no
Sistema Interamericano, OEA/Ser.L/I.4 rev.8 (22 de maio de
2001), Pág. 48. [6]
Ver
analogicamente Corte Interamericana de
Direitos Humanos, Baruch Ivcher Bronstein c. Peru, Jurisdição,
Sentença (24 de setembro de 1999), par. 37 (o qual
indica que o dever dos Estados Partes da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos de garantir o cumprimento de suas disposições
não somente é aplicado em relação às normas substantivas desse
tratado, mas também em relação às normas processuais ). [7]
De
conformidade com a jurisprudência da Cortê e a Comissão
Interamericanas de Direitos Humanos e outros tribunais internacionais
de direitos humanos, os instrumentos de direitos humanos podem ser
aplicados corretamente com respeito a atos que ocorreram antes da
ratificação desses instrumentos, mas que são de caráter permanente
e cujos efeitos continuam depois da entrada em vigor dos instrumentos.
Ver, por exemplo,
Corte IADH, Caso Blake, Exceções Preliminares, Sentença
de 2 de julho de 1996, Séries C No. 27, Par. 33-34 e 46; CIDH,
João Canuto de Oliveira c. Brasil, Relatório Nº 24/98, Relatório
Anual da CIDH de 1997, Par. 13-18.
Ver analogicamente, Corte
Européia de Direitos Humanos, Papamichalopoulos
e outros c. Grécia, 24 de junho de 1993, Séries A Nº
260-B, Pág. 69-70, 46. [8]
Ver
Estatuto
da CIDH, artigo 20 (o qual dispõe que em relação com os Estados
membros da OEA que não são partes da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, a Comissão examinará as comunicações que lhe são
dirigidas e qualquer informação disponível será enviada ao governo
de qualquer dos Estados membros não partes na Convenção com a
finalidade de obter as informações que considere pertinentes e lhes
formulará recomendações, quando considere apropriado, para fazer
mais efetiva a observância dos direitos humanos fundamentais). Ver Corte IDH, Opinião Consultiva OC-10/89 Interpretação da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
no Marco do artigo 64 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, 14 de julho de 1989, Série A Nº 10 (1989), parag.
35-45; Comissão Interamericana de Direitos Humanos, James Terry Roach
e Jay Pinkerton c. Estados Unidos, Caso 9647, Res. 3/87, 22 de
setembro de 1987, Relatório Anual de 1986-87, Par. 46-49.
[9]
Veja
Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença
de 29 de julho de 1988, Série S, No. 4 (1988), parag. 163.
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