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RELATÓRIO
Nº 118/01 CASO
12.230 ZOILAMÉRICA
NARVÁEZ MURILLO NICARÁGUA 15
de outubro de 2001 I.
RESUMO DOS FATOS DENUNCIADOS
1.
Em 27 de outubro de 1999, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (doravante denominada “a Comissão” ou a “CIDH”) recebeu
uma petição apresentada pela Sra. Zoilamérica Narváez Murillo, na
qualidade de suposta vítima, e Vilma Núñez de Escorcia, em caráter de
representante legal e presidenta do Centro Nicaragüense de Direitos
Humanos (doravante denominadas “as peticionárias”), contra o Estado
de Nicarágua (doravante denominado “o Estado” ou “Nicarágua”),
na qual alega que o Estado violou o direito da Sra. Zoilamérica Narváez
de ser ouvida por um juiz ou tribunal competente. A Sra. Narváez interpôs
uma ação perante o Juízo do Distrito do Crime de Manágua, em 5 de
junho de 1998, em virtude de supostas agressões físicas psicológicas
das quais foi objeto por parte de seu pai adotivo, o Sr. Daniel Ortega
Saavedra, atual deputado na Assembléia Nacional. 2.
Segundo as peticionárias, o Estado de Nicarágua violou os artigos
1 (obrigação de respeitar os direitos), 2 (obrigação de adotar disposições
de direito interno), 8 (garantias judiciais), 24 (igualdade perante a lei)
e 25 (proteção judicial) contidos na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos; e o artigo 7 incisos b, d, e, f e g, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher, uma vez que a Assembléia Nacional não se pronunciou sobre a
solicitação de desaforamento
apresentada pela Sra. Narváez contra o deputado Daniel Ortega, o
qual não permitiu que a suposta vítima acedesse a justiça em busca do
restabelecimento de seus direitos violados. 3.
O Estado nicaragüense alegou que não denegou o acesso a justiça
a Sra. Zoilamérica Narváez Murillo, e indicou que o presente caso as
autoridades atuaram com obediência a lei interna e as normas da Convenção
Americana. O Estado indicou que, no caso em questão, recursos da jurisdição
interna não haviam sido esgotados já que existia uma Comissão Especial
encarregada de estudar e decidir sobre o
desaforamento do deputado Ortega conforme o procedimento
estabelecido pela Lei de Imunidade. Portanto,
solicitou a Comissão que declarara a denúncia das peticionárias
inadmissível devido ao descumprimento do requisito do prévio esgotamento
dos recursos internos, previsto no artigo 46(1)(a) da Convenção
Americana. Em resposta, as peticionárias alegaram que a denúncia
apresentada perante a CIDH enquadrava-se no contexto das exceções ao
requisito de esgotamento dos recursos internos previstos no artigo 46(2)
incisos (b) e (c) da Convenção Americana. 4.
Em seu 113°
período ordinário de sessões, realizado em de 9 à 19 de outubro de
2001, a Comissão analisou os elementos de fato e de direito aportados
pelas partes durante a tramitação da denúncia e decidiu declarar o
presente caso admissível conforme as disposições dos artigos 46 e 47 da
Convenção Americana. II.
TRÂMITE PERANTE A COMISSÃO 5.
Em 27 de outubro de 1999, a Comissão recebeu a petição
apresentada pelas Sras. Zoilamérica Narváez Murillo e Vilma Núñez de
Escorcia contra o Estado de Nicarágua. Em 8 de novembro de 1999, a Comissão,
de conformidade com o artigo 34 de seu Regulamento vigente até o dia 30
de abril de 2001, iniciou a tramitação do caso 12.230 e solicitou ao
Estado a informação pertinente, outorgando-lhe um prazo de 90 dias para
tal efeito. Na mesma data informou as peticionárias sobre a abertura do
caso. 6.
Em 13 de janeiro de 2000, o Estado apresentou suas observações
indicando que no caso sob estudo não foram esgotados os recursos da
jurisdição interna. Referida informação foi remitida as peticionárias
em 15 de fevereiro de 2000, solicitando as observações correspondentes. 7.
Em 14 de janeiro de 2000, as peticionárias remeteram a Comissão
informação adicional, a qual foi transmitida ao Estado em 16 de
fevereiro de 2000. Em 27 de
março de 2000, as peticionárias aportaram a Comissão a resposta sobre
as observações do Estado. Referida informação foi remitida ao Estado
de Nicarágua em 31 de março de 2000, outorgando-lhe uma prazo de 30 dias
para suas observações. 8.
Em 22 de agosto de 2000, a Comissão recebeu uma comunicação das
peticionárias, na qual solicitaram comparecer numa audiência perante a
CIDH. A Comissão, mediante
nota de 11 de setembro de 2000, assinalou a impossibilidade de recebê-las
em audiência, uma vez que a solicitação havia sido apresentada de forma
extemporânea. 9.
Em 27 de setembro de 2000, o Estado remeteu sua observações
reiterando que, no presente caso, os recursos internos não haviam sido
esgotados. De acordo com o procedimento, referida informação foi
transmitida as peticionárias em 6 de outubro de 2000. 10.
Com data de 13 de dezembro de 2000, as peticionárias enviaram suas
observações referentes a resposta do Estado de Nicarágua.
A Comissão transmitiu estas observações ao Estado, em 19 de
dezembro de 2000, e outorgou-lhes um prazo de 30 dias para contestar.
Em 25 de abril de 2001, o Estado respondeu as observações do
peticionário, reiterando sua posição expressada nos escritos anteriores.
Em 26 de junho de 2001, as peticionárias apresentaram suas observações
sobre a resposta do Estado. III.
POSIÇÃO DAS PARTES A.
Posição das peticionárias 11.
As peticionárias alegam que o Estado de Nicarágua violou o
direito as garantias judiciais da Sra. Zoilamérica Narváez, ao permitir
que os delitos de abusos sexuais denunciados perante o Juízo do Distrito
do Crime de Manágua ficassem impunes ao não proceder ao desaforamento
do deputado Daniel Ortega. As
peticionárias manifestam que o Poder Legislativo impediu o acesso a justiça,
tanto que não transmitiu a solicitação de desaforamento,
tal como estabelece o procedimento da Lei de Imunidade. O obstáculo a
iniciativa processual da Sra. Narváez não pode ser superado devido a
falta de vontade política do órgão legislativo e pela inexistência de
recurso posterior que obrigasse ao referido poder do Estado a iniciar o
procedimento de desaforamento. Consequentemente,
as peticionárias consideram que, no presente caso, operam as exceções
contidas no artigo 46(2), incisos (b) e (c) da Convenção Americana. 12.
As demandantes alegam que a Assembléia Nacional, enquanto órgão
do Estado, não obedeceram ao disposto pela Lei Nº 83 de Imunidade, e
apesar de reiteradas solicitações de desaforamento não recebeu resolução
alguma, até o momento do início do caso perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. Uma vez apresentado o caso perante a
instância internacional, o Estado remitiu a demandante, mediante ofício
datado de 7 de dezembro de 1999, a notificação da Resolução da Junta
Diretiva da Assembléia Nacional tomada na sessão Nº 033-99 de 25 de
novembro de 1999 sobre sua solicitação de desaforamento. 13.
As peticionárias alegam que na referida resolução, a Assembléia
Nacional distorceu e manipulou as alegações da Sra. Zoilamérica Narváez,
já que este organismo pronunciou-se sobre o procedimento de suspensão ou
perda da condição de deputado, regida pelo Regulamento Interno da
Assembléia, e não sobre o procedimento para resolver a solicitação de
desaforamento interposta pela demandante, a qual esta regida pela Lei de
Imunidade. As peticionárias alegam também que o Estado atuou com dolo,
uma vez que remitiu à Comissão uma resolução diferente daquela
transmitida a Sra. Narváez na data de 7 de dezembro de 1999. B.
Posição do Estado 14.
O Estado argumenta que o Poder Legislativo não impediu em nenhum
momento o acesso a justiça da demandante. Neste sentido, assinala que o
Primeiro Juiz do Distrito do Crime de Manágua remitiu à Assembléia
Nacional as diligências que chegaram a seu conhecimento, com base na Lei
de Imunidade, já que não tinha competência para conhecer a ação
promovida pela Sra. Zoilamérica Narváez sem antes proceder ao trâmite
de desaforamento de conformidade com a lei interna. O Estado alega ademais
que a demandante teve acesso aos recursos internos, uma vez que solicitou
o desaforamento do deputado Ortega e utilizou a via incidental para que se
determinasse se este se encontrava em exercício de seu cargo de deputado
ou se havia incorrido em abandono de suas funções. 15.
O Estado alega que as instâncias da jurisdição interna não
foram esgotadas, porque a Junta Diretiva da Assembléia Nacional, na sessão
de 25 de novembro de 1999, resolveu por unanimidade evacuar os incidentes
que haviam sido formulados pela Sra. Narváez e concordou em criar uma
Comissão Especial com o objetivo de estudar e decidir sobre o
desaforamento do deputado Daniel Ortega, conforme o procedimento
estabelecido pela Lei de Imunidade. O Estado defende que as resoluções da Junta Diretiva da
Assembléia Nacional não foram recorridas através do recurso de amparo pela Sra. Narváez, tal como assinala o artigo 51
da Lei de Amparo. Consequentemente,
o Estado solicita a Comissão que declare a denúncia das peticionárias
inadmissível, nos termos do artigo 46 (1) (a) da Convenção Americana. IV.
ANÁLISES SOBRE A COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE A.
Competência da Comissão 16.
Vistos os antecedentes e o trâmite da denúncia descritos nos parágrafos
anteriores, a Comissão considera as condições de admissibilidade do
caso nos seguintes termos: 17.
A Comissão poderá conhecer do caso submetido a sua consideração
sempre e quando, prima facie, este reúna os requisitos formais de admissibilidade
exigidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana. 18.
Os peticionários encontram-se
facultados pelo artigo 44 da Convenção Americana para apresentar denúncias
perante a CIDH. A petição
assinala como suposta vítima um indivíduo, a quem a Nicarágua
comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção
Americana. No que concerne ao Estado, a Comissão assinala que a Nicarágua
é um Estado parte na Convenção Americana desde 25
de setembro de 1979, data
em que depositou o instrumento de ratificação respectivo.
Portanto, a Comissão tem competência ratione
personae para examinar a petição
da Sra. Zoilamérica Narváez Murillo. 19.
A Comissão
tem competência ratione loci
para conhecer a petição, devido a que nela se alegam violações de
direitos protegidos na Convenção Americana, que tiveram lugar dentro do
território de um Estado parte no mencionado tratado. 20.
A CIDH
tem competência ratione temporis
porque a obrigação de respeitar e garantir os direitos protegidos na
Convenção Americana já se encontrava em vigor para o Estado na data em
que ocorreram os fatos alegados na petição.
21.
Por último,
a Comissão é competente ratione
materiae, já que a petição denuncia violações de direitos humanos
protegidos pela Convenção Americana. B.
Requisitos de admissibilidade da petição 22.
A Comissão procede a analisar se a presente petição reúne os
requisitos de admissibilidade previstos nos artigos 46 e 47 da Convenção
Americana. a.
Esgotamento dos recursos internos e prazo de apresentação da petição 23.
A Comissão vem assinalando reiteradamente a respeito do caráter
“coadjuvante ou complementar” do sistema interamericano de proteção
dos direitos humanos. Esta regra permite aos Estados solucionar
previamente as questões formuladas dentro do marco jurídico próprio
antes de enfrentarem um procedimento internacional. 24.
O Estado alega que a denúncia das peticionárias deve ser
declarada inadmissível tendo em vista que a decisão sobre o caso
encontra-se pendente de resolução. As peticionárias, por sua parte, alegam que se dirigiram as
autoridades competentes; porém, a interposição dos recursos internos não
teve resultado positivos, uma vez que a falta de pronunciamento da Assembléia
Nacional sobre a solicitação de desaforamento não lhes permitiu aceder
a justiça em busca do restabelecimento de seus direitos violados. 25.
O artigo 46(1)(a) da Convenção estabelece o seguinte : “para
que uma petição ou comunicação apresentada seja admitida pela Comissão
é necessário que se hajam interposto e esgotado os recursos de jurisdição
interna, conforme os princípios de Direito Internacional geralmente
reconhecidos”. Entretanto,
seu inciso (2) prevê que este requisito não resulta aplicável toda vez
que:
a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar,
o
devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que
se
alegue tenham sido violados;
b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus
direitos
o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele
impedido de esgotá-los; e
c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados
recursos. 26.
Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
estabeleceu que os peticionarios somente devem esgotar os recursos que
resultam “adequados” para sanar a violação alegada.
Cabe mencionar que a função destes recursos dentro do sistema de
direito interno deve ser idônea para proteger a situação jurídica
infringida.[1] 27.
No presente caso as peticionárias alegam que esgotaram os recursos
da jurisdição interna, uma vez que a demandante interpôs a ação junto
ao Juízo do Distrito do Crime de Manágua, em 5 de junho de 1998, contra
o Sr. Daniel Ortega, pelos delitos de abusos desonestos, violação e
abuso sexual. A Sra. Narváez solicitou na mesma ação que fosse
requerido à Assembléia Nacional iniciar o processo de desaforamento do
Sr. Ortega como deputado perante referido poder do Estado, de conformidade
com o procedimento estabelecido na Lei Nº 83 de Imunidade. Referida ação
foi admitida em virtude do auto judicial de 9 de junho de 1998. 28.
Em 15 de junho de 1998, o deputado Daniel Ortega apresentou um
escrito junto ao juízo do Distrito do Crime, mediante o qual solicitou ao
juiz que indeferisse a ação, dado que gozava do privilégio de imunidade
por sua condição de deputado, de conformidade com o artigo 139 da
Constituição Política de Nicarágua. Ademais negou as imputações que
lhe foram feitas e alegou a prescrição da ação penal. 29.
Em 17 de junho de 1998, a juíza a cargo da causa revogou o
acolhimento da ação e remeteu os autos à Assembléia Nacional para que
a Secretaria informasse a Junta Diretiva e se procedesse conforme o
disposto na Lei de Imunidade. 30.
Em 22 de junho de 1998, a Sra. Zoilamérica Narváez apresentou uma
solicitação de desaforamento do deputado Daniel Ortega perante a
Secretaria da Assembléia Nacional e em 24 de junho solicitou que se
verificasse a presença do deputado às sessões parlamentárias. Em 21 de
agosto, em 9 e 11 de setembro e em 8 de outubro de 1998, a demandante
reiterou sua solicitação perante a Assembléia Nacional. 31.
Em 28 de outubro de 1998, a Assembléia Nacional informou a Sra.
Zoilamérica Narváez sobre a resolução da Junta Diretiva que ordenava a
remissão do caso a Direção de Assessoria Legislativa, para que esta
apresentasse suas considerações a Junta Diretiva. 32.
Em 7 de dezembro de 1999, a Assembléia Nacional notificou a Sra.
Narváez a Resolução Nº 033-99, de 25 de novembro de 1999, mediante a
qual a Junta Diretiva da Assembléia Nacional considerou sua solicitação
para que esta pronunciasse “no sentido de determinar se o deputado
Daniel Ortega Saavedra não goza do Foro Especial de Imunidade. Segundo
ela [a Sra. Narváez] menciona que o art. 130 Cn estabelece que a
imunidade não se aplica nos casos relativos as Direitos de Família, e
ela entende que os delitos, pelos quais apresentou acusação penal contra
o Deputado Daniel Ortega, devem ser considerados como Delitos
contra a família porque se enquadram dentro dos Direitos de Família”. 33.
A este propósito, a Junta Diretiva assinalou o seguinte: “o art.
130 Cn. Determina textualmente a exceção de imunidade para os Direitos
de Família que se refiram única e exclusivamente a assuntos civis
relacionados com o Direito de Família tais como: casamento; divórcio;
filhos; parentesco; pátrio poder; alimentos, etc., e não se referem em
absoluto a aspectos de ordem penal, caso contrário diria expressamente delitos
contra a família e o legislador constituinte não usou esta expressão.
A legislação nicaragüense dispõe desta forma.
Originalmente o Direito de Família foi contemplado na sua
totalidade como parte do Direito Civil e correspondia aos juízes civis
resolver os assuntos que essa matéria suscitava distinguindo-os da matéria
penal. Com a nova Lei Orgânica
do Poder Judicial claramente se observa a distinção existente, e
corresponde as Salas e Tribunais distintos o conhecimento destas matérias…”. 34.
A Junta Diretiva da Assembléia Nacional assinalou: “Que no Código
Penal vigente não existe este tipo de delitos
contra a família, sendo que o código contempla unicamente delitos
contra as pessoas e delitos que afetam o estado civil das pessoas.
Devemos recordar o PRINCÍPIO DE LEGALIDADE PENAL estabelecido no art. 34
inciso 11 Cn. que estabelece que uma pessoa tem a garantia de não ser
processada nem condenada por ato ou omissão que, no momento em que é
cometido, não esteja previamente qualificado na lei de maneira expressa,
inequívoca e punível…” e o mesmo Código Penal em seu art. 13
estabelece: Proíbe-se em matéria penal a interpretação extensiva.
O juiz deve ater-se estritamente a letra da lei.
Nos casos de dúvida se interpreta a lei no sentido mais favorável
ao réu.” 35.
Por último, a Junta Diretiva da Assembléia Nacional afirmou que:
“no caso apresentado pela Sra. Narváez Murillo, estamos claramente na
presença de uma ação, de uma acusação que não é de ordem civil,
campo ao qual pertence o Direito de Família, e é considerado uma exceção
constitucional da imunidade, mas sim, estamos frente a um assunto
claramente de ordem penal que não está inserido nas exceções a
imunidade estabelecida pelo artigo 130 Cn., mas que está regido pela
legislação penal vigente”. 36.
Consequentemente, a Junta Diretiva da Assembléia Nacional resolveu,
por uma parte, “declarar incabível a exceção apresentada e reafirma
que a imunidade cobre neste caso ao Deputado Sr. Daniel Ortega Saavedra”;
e, “criar uma Comissão Especial para conhecer e resolver as diligências
remetidas a Primeira Secretaria pelo Primeiro Juízo do Distrito do Crime
de Manágua, a respeito da ação interposta pela Sra. Zoilamérica Narváez
Murillo contra o Sr. deputado Daniel Ortega Saavedra”.[2] 37.
O Estado reconhece que as solicitações e argumentos formulados
pela Sra. Narváez levaram a
Assembléia Nacional a pronunciar-se sobre os incidentes de prévio e
especial pronunciamento contidos na Ata Nº 033/99, “o que causou que
adiasse sua decisão principal sobre a solicitação de desaforamento do
deputado Ortega Saavedra, para pronunciar-se sobre os incidentes
interpostos”.[3]
O Estado alega que a criação de referida Comissão Especial
demonstra que a jurisdição interna não foi esgotada, uma vez que é
este o procedimento estabelecido pela Lei de Imunidade e este o órgão
encarregado de decidir sobre o desaforamento do deputado Daniel Ortega.
Todavia, o Estado menciona que: “Embora a Comissão esteja criada
… falta ainda a nomeação dos cinco membros que a integrarão.”[4] 38.
Por último, o Estado afirma que os recursos internos não foram
esgotados, uma vez que a Sra. Narváez não interpôs recurso
de amparo contra as Resoluções da Junta Diretiva da Assembléia
Nacional.[5]
A este respeito, a peticionária assinalou que este não procede
contra atos ou resoluções legislativas da Assembléia Nacional, de
conformidade com o artigo 51 da Lei de Amparo. Desta forma, a denunciante
está indefesa, já que não existe recurso algum que obrigue o Poder
Legislativo a resolver sua denúncia nos términos da Lei de Imunidade. 39. A Comissão Interamericana observa que a Lei de Imunidade estabelece que a Junta Diretiva da Assembléia Nacional deve nomear imediatamente uma Comissão a fim de que se estude e decida a ação apresentada. Além disso, o procedimento contemplado na Lei de Imunidade estabelece que vencido o término de prova, a qual não deve ser maior de 30 dias, a Comissão Especial deve emitir um relatório dentro dos 10 dias subseqüentes, confirmando ou rejeitando a ação.[6] 40.
Com relação ao esgotamento dos recursos internos, a Comissão
Interamericana observa que desde que a Sra. Narváez apresentou sua
solicitação de desaforamento perante a Assembléia Nacional no dia 22 de
junho de 1998, até o momento, transcorreram-se três anos e três meses
sem que a peticionária haja recebido uma resposta definitiva sobre sua
solicitação. Em particular, a falta de nomeação de parte da Assembléia
Nacional dos membros que integrariam a Comissão Especial não permitiu
que a Sra. Narváez[7]
pudesse obter uma decisão sobre a solicitação de desaforamento,
colocando assim a peticionária numa situação de espera indefinida e
privando-a de exercer seus direitos junto a justiça ordinária. 41.
Para efeitos de admissibilidade da presente denúncia, a Comissão
Interamericana considera que a peticionária foi privada de aceder a um
recurso judicial adequado para a investigação de sua ação interposta
junto ao Juízo de Manágua, nos termos da exceção prevista no artigo
46(2)(b) da Convenção Americana. Portanto,
os requisitos estabelecidos no artigo 46(1)(a) e (b) não resultam aplicáveis
ao presente caso. 42.
O artigo 46(2) da Convenção, por sua natureza e objeto, é uma
norma com conteúdo autônomo frente as normas substantivas do mesmo
instrumento. Portanto, a
determinação de se às exceções a regra do esgotamento dos recursos
internos previstas na referida norma resultam aplicáveis ao caso em questão
e deve-se levar a cabo de maneira prévia e separada da análise de fundo
do assunto, já que depende de um padrão de apreciação distinto daquele
utilizado para determinar a violação dos artigos 8 e 25 da Convenção. 43.
A Comissão estima que no caso sub-judice,
o esgotamento dos recursos internos encontram-se estreitamente ligado com
o fundo do caso, dada a obrigação do Estado de respeitar as garantias de
acesso a justiça e de oferecer recursos judiciais efetivos, de
conformidade com a Convenção Americana.
Desta forma, os aspectos relacionados com a efetividade dos
recursos internos serão analisados no relatório que a CIDH adotar sobre
o fundo dos fatos denunciados. b.
Duplicidade de procedimento e coisa julgada 44. O artigo 46(1)(c) da Convenção estabelece que para que uma petição ou comunicação seja admitida pela Comissão, a matéria da mesma não deve estar pendente de outro procedimento internacional. Igualmente, o artigo 47(d) da Convenção estabelece que a Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação quando seja substancialmente a reprodução de petição ou comunicação anterior já examinada pela Comissão ou outro organismo internacional. 45.
Das
alegações das partes e dos documentos contidos no expediente não existe
informação alguma que pudesse levar a determinar que este assunto
encontra-se pendente de outro procedimento de acordo internacional ou que
tenha sido previamente decidido pela Comissão Interamericana. Desta
forma, a Comissão considera que no presente caso os requisitos de
admissibilidade contidos nos artigos 46(1)(c) e 47(d) da Convenção
Americana foram cumpridos. c.
Caracterização dos fatos alegados 46.
A Comissão considera que as alegações relativas a suposta violação
dos direitos as garantias judiciais, igualdade perante a lei e a proteção
judicial, formuladas pelas peticionárias poderiam caracterizar uma violação
de direitos garantidos nos artigos 8, 24 e 25 em concordância com o
artigo 1 da Convenção Americana. 47.
As peticionárias demonstraram que as supostas violações são
imputáveis a um órgão ou agentes do Estado, tal como estabelece o
artigo 47(b) da Convenção. Nos
parágrafos relativos à análise do esgotamento dos recursos internos,
assinala-se que as supostas violações seriam resultado de ações ou
omissões cometidas por agentes ou funcionários da República de Nicarágua. V.
CONCLUSÃO 48.
A Comissão conclui que, em virtude das considerações antes
expostas, a presente petição cumpre com os requisitos de admissibilidade
estabelecidos nos artigos 46 e 47 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. Consequentemente, a Comissão é competente para conhecer do caso
Nº 12.230. 49.
Com fundamento nos argumentos de fato e de direito que antecedem, e
sem prejudicar o fundo da questão, A
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
DECIDE:
1.
Declarar admissível o presente caso quanto as supostas violações
de direitos protegidos nos artigos 8,
24 e 25 em conjunção com o artigo 1 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos. 2.
Notificar as partes desta decisão. 3.
Continuar com a análise de fundo da questão. 4.
Publicar esta decisão e incluí-la em seu Relatório Anual à
Assembléia Geral da OEA. Dado
e firmado na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na
cidade de Washington, D.C., aos 15 dias do mês de outubro 2001.
(Assinado): Claudio
Grossman, Presidente,
Juan E. Méndez, Primeiro Vice-presidente; Marta Altolaguirre, Segunda
Vice-presidenta; Robert K. Goldman, Peter Laurie, Julio Prado Vallejo, Hélio
Bicudo, Membros da Comissão.
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[1]
Corte
Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez, Sentença
de 29 de julho de 1988, par. 63. [2]
Junto com a decisão Nº 033-99 da Junta Diretiva da Assembléia Geral,
foi transmitida uma nota de data 3 de janeiro de 2000 que o Primeiro
Secretário da Assembléia Geral enviou ao Vice-Ministro de Relações
Exteriores de Nicarágua. Na
referida nota, o Primeiro Secretário assinala que a Comissão
Especial que estudaria e decidiria sobre o desaforamento do Sr. Ortega
já havia sido criada, mas não havia sido composta. [3]
Observações do Estado de Nicarágua de 25 de abril de 2001, p. 2. [4]
Ibid., p. 3. [5]
Observações do Estado de Nicarágua de 25 de abril de 2001, p. 3. [6]
A Lei de Imunidade estabelece: Art.
8: Recebida na Secretaria da Assembléia Nacional a ação enviada
pelo Presidente da República ou outra ação apresentada perante este
Poder do Estado, informará de imediato a Junta Diretiva e esta
tramitará conforme os seguintes artigos. Art.
9: A Junta Diretiva da Assembléia Nacional nomeará de imediato uma
Comissão que estará integrada de acordo com os critérios
estabelecidos no Estatuto Geral da Assembléia Nacional, a fim de
estudar e decidir a ação apresentada. O funcionário contra o qual
se apresenta a ação será notificado dos términos da denúncia
dentro de 24 horas subsequentes à composição da Comissão e se lhe
designará uma audiência perante esta após o sexto dia de notificado
para que expresse o que desejar. Art.11:
A Comissão abrirá vista às provas por 20 dias, contados a partir do
dia da audiência, a qual poderá ser prorrogada por dez dias a pedido
da Comissão ou do interessado perante a Junta Diretiva da Assembléia
Nacional, e vencido este término emitirá seu relatório dentro de
dez dias. O relatório poderá decidir pela confirmação da procedência
ou indeferimento da ação. Art.
13: Se a Assembléia Nacional, através de 60% dos votos de seus
membros confirma a ação contra o funcionário ou funcionários,
procederá ao desaforamento dos mesmos. (…) [7]
A CIDH não foi informada de que os membros que formariam a Comissão
Especial, criada mediante Resolução 033/99 de 25 de novembro de 1999
com o propósito de decidir sobre o desaforamento do deputado Daniel
Ortega, hajam sido designados.
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