DISCURSO DE PAOLO CAROZZA

PRESIDENTE DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS EM SUA SESSÃO INAUGURAL DE SEU 133* PERÍODO ORDINÁRIO DE SESSÕES

 

20 de outubro de 2008

 

Senhor Presidente do Conselho Permanente, Senhor Secretário Geral, Senhor Secretário Geral Adjunto, ilustres representantes permanentes e observadores, senhoras e senhores, prezados colegas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e de sua Secretaria:

 

É uma honra dirigir-me a vocês nesta cerimônia inaugural de abertura do nosso 133* Período Ordinário de Sessões. Hoje estão aqui presentes Luz Patricia Mejía, Primeira Vice-Presidente da Comissão; Felipe González, Segundo Vice-Presidente; os membros da Comissão, Victor Abramovich, Floretín Meléndez, Paulo Sérgio Pinheiro e Clare Roberts. Também nos acompanham Santiago Canton, Secretário Executivo, Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva-Adjunta e profissionais da Secretaria Executiva.  

 

O período de sessões que acabamos de iniciar conta com um intenso programa de atividades. Como é de praxe, boa parte do nosso trabalho será dedicado ao estudo e considerações acerca de casos individuais dos diversos países do hemisfério, assim como informações e documentos de caráter mais geral, nos quais serão abordadas as situações dos direitos humanos na região. A partir de quarta-feira, a Comissão realizará 57 audiências sobre casos e petições, assim como sobre várias situações relativas aos direitos humanos, uma vez que presidirá um total de mais de 57 reuniões de trabalho destinadas, principalmente, a facilitar as soluções amigáveis entre os Estados membros e os peticionários e a avançar na implementação das recomendações da Comissão aos Estados membros em casos específicos. Ademais, neste período, analisaremos mais de 50 projetos de relatórios sobre casos individuais.   

 

Geograficamente, nossos trabalhos nessas sessões se relacionam com praticamente todos os países do Hemisfério, o que faz lembrar que nenhuma nação deve dar por encerrada a plena garantia dos direitos humanos de seu povo e que devemos seguir sempre atentos contra o risco de violação desses direitos. Os direitos humanos podem ser violados e, às vezes, realmente são, inclusive em lugares onde, em geral, imperam a democracia e o Estado de Direito, ou ainda em lugares onde, felizmente, os piores abusos de antigos regimes criminais são coisas do passado. Nesse sentido, o sistema interamericano de direitos humanos é sócio ativo dos governos na proteção e na garantia efetiva dos direitos humanos em todos os Estados membros, e não simplesmente um observador passivo do regime democrático.              

 

Na essência, a variedade de questões relativas aos direitos humanos que serão examinadas pela Comissão nessas audiências, compreende uma série de preocupações. Muitas são específicas e levam em conta as circunstâncias e condições de casa país membro da região. No entanto, certos assuntos surgem como um elo que une as muitas partes do hemisfério. Por exemplo, superar a impunidade e conceder indenizações pelas violações dos direitos humanos no passado, especialmente violações sistemáticas dos direitos à vida e à integridade física, segue sendo um grande desafio em muitos de nossos países. Ademais, a cidadania é hoje muito precária em boa parte da região, ameaçada tanto pelas forças do Estado como por grupos não estatais. É especialmente preocupante que, diante da diversidade de modalidades de violência, certos setores da sociedade, freqüentemente, são excluídos da proteção efetiva do Estado de Direito: as mulheres, as crianças, os imigrantes e as minorias, por exemplo. Em terceiro lugar, a falta do devido processo legal, bem como a incapacidade institucional dos sistemas judiciais e as ameaças à independência dos juízes e de outros atores da administração da justiça, contribuem para que o acesso às garantias judiciais efetivas dos direitos humanos sejam um dos problemas mais generalizados e corriqueiros das Américas. Por fim, o desafio de fortalecer a democracia representativa, que sempre foi um dos pilares do sistema interamericano, gera numerosos problemas críticos para a liberdade de expressão e associação, para o direito à participação política e torna evidente a necessidade de enfrentar a realidade de que vários setores da população da região permanecem sistematicamente excluídos da plena participação na vida material e social de seus países.    

 

Ao enfrentar esses problemas, o papel dos defensores dos direitos humanos é indispensável, e por isso cabe ressaltar que em muitos dos casos, audiências, relatórios e requerimentos de medidas cautelares atualmente na Comissão, surgem do assédio e da intimidação aos defensores dos direitos humanos ou de restrições legais irracionais a sua atuação. Essas situações caracterizam graves perigos não só para pessoas e organizações diretamente afetadas, como também para a promoção e proteção dos direitos humanos no conjunto das sociedades em que atuam.     

 

Resultará evidente para todos os observadores que a situação dos direitos humanos do hemisfério e das instituições interamericanas, que a profundidade e amplitude desses desafios constituem a enorme tarefa da Comissão, mas exigem tempo, energia e recursos em abundância. De fato, as exigências têm aumentado substancialmente em razão dos êxitos históricos que temos alcançado até o momento na construção e consolidação de um sistema regional de direitos humanos que goze de credibilidade. A dinâmica e a evolução da realidade da região e do próprio sistema de direitos humanos exigem também adaptação e flexibilidade dos instrumentos, estruturas e processos que a Comissão emprega para a consecução dos seus objetivos. Como conseqüência, a Comissão deve assegurar constantemente e na medida de suas possibilidades, sua atuação com a máxima eficiência calcada no desejo de mudança. Por isso, seguimos empenhados num processo permanente de reavaliação de normas, métodos e práticas, sempre abertos a receber e atender as preocupações pertinentes de todas as partes interessadas do sistema interamericano de Direitos Humanos. Em particular, a Comissão reconhece que a enorme acumulação de casos pendentes é um problema real e urgente que devemos resolver para continuarmos nosso trabalho com credibilidade e efetividade. Esse acúmulo de casos gera problemas de equidade, pois as partes esperam celeridade na solução de suas demandas, distanciando o trabalho da Comissão dos problemas mais atuais de direitos humanos que teremos pela frente. Uma recente reorganização do trabalho da Secretaria e outras reformas destinadas a maximizar nossa eficiência no trâmite dos casos, estão ajudando a atenuar este problema, portanto a Comissão seguirá procurando outras formas de resolvê-lo com prudência e de forma transparente. Entre as reformas que estão em curso – como todos sabem – se encontram vinculadas à inter-relação entre a Comissão e Corte. As conversas entre a Corte a Comissão tem avançado nesse sentido, e esperamos que em breve se possam apresentar as reformas normativas ao público. Finalmente, temos consciência de que diferentes Estados membros tenham por iniciativa própria, definido vários processos de possíveis reformas no sistema; acolhemos com satisfação esses esforços, uma vez que estão orientados ao fortalecimento do nível de proteção dos direitos humanos no Hemisfério.

 

Contudo, ainda que as reformas de nossas normas e práticas sejam importantes, devemos estar atentos à saúde institucional do sistema interamericano de direitos humanos para que não se mantenha centrado unicamente em alguns problemas de procedimentos formais, ou em incrementos marginais de eficiência. É essencialmente, uma questão de compromisso político que os Estados membros que criaram o sistema e que acordaram em fazer dos direitos humanos um dos pilares da cooperação regional das Américas. Nenhuma regra alterada da Comissão poderá substituir a necessidade de que os governos da região implementem efetivamente as normas do sistema interamericano e as recomendações e decisões de seus órgãos constitutivos. Os tratados básicos do sistema, todavia não contam com aceitação universal, e essa deve ser uma grande prioridade. Inclusive nos países que os aceitaram, as falhas são práticas recorrentes e que devem ser reconhecidas de forma aberta e decidida. Alguns Estados membros se negam a permitir que a Comissão ou seus relatores tenham um acesso livre e incondicional a seus territórios. Em termos mais gerais, a ausência de um mecanismo político de supervisão – como o que existe na região européia, por exemplo – é uma falha estrutural crítica no nosso sistema. A mínima participação do Conselho Permanente nessa questão de implementação e cumprimento é uma séria debilidade. Os quatro minutos da Assembléia Geral que são dedicados à apresentação do relatório anual da Comissão, no último momento e sem qualquer debate, francamente, devem ser considerados uma farsa política.

 

De maneira mais imediata, a falta de compromisso político vinculado à efetividade dos direitos humanos no hemisfério se vê refletida na persistente insuficiência de recursos financeiros do sistema. As transferências à Comissão, provenientes dos fundos gerais da OEA, constituem apenas 4% do montante da Organização. E o mais importante é que essa quantia não cobre sequer 50% das atividades cotidianas da Comissão. Sem o apoio e o compromisso dos Estados da região e dos que de fora ajudam no financiamento dos trabalhos da Comissão mediante generosas contribuições especiais, nosso trabalho se reduziria de imediato à metade. Isso é verdade, principalmente nos momentos em que resulta cada vez mais evidente que a realização do mais elementar trabalho da Comissão, como por exemplo, a tramitação das petições e dos casos e a celebração seu período ordinário de sessões de seis semanas por ano, não poderiam ocorrer sem um aumento substancial dos recursos humanos e financeiros da Comissão – incluído o tempo que a Comissão pode dedicar às sessões. Muito se tem debatido nos últimos anos sobre a importância da autonomia da Comissão, e agradecemos o respaldo que muitos Estados membros e o Secretário Geral tem nos dado nesse sentido. Mas a autonomia da Comissão deve ser concretizada além das palavras. A longo prazo, a Comissão não terá autonomia caso não se garanta sua autonomia financeira.

 

Distintas autoridades, prezados colegas e amigos:

 

É vital para o interesse de todos nós - Estados membros, instituições regionais, sociedade civil e todos os povos do hemisfério – construir e manter um sistema sólido e saudável de proteção e promoção da observância dos direitos humanos. O reconhecimento da dignidade da pessoa humana com que se inicia a Declaração Americana e que foi desenvolvido e aprofundado na Convenção Americana, bem como em outros instrumentos regionais de direitos humanos, é a mesma fundação das ”instituições democráticas de um sistema de liberdade pessoal e de justiça social” em todo nosso hemisfério. A Comissão promete seguir trabalhando nessas sessões baseada nesse ideal, e contamos com o apoio e colaboração de todos vocês, agora e sempre, para que haja uma realização mais plena.

 

Muito obrigado.